01 abril 2021

Homilia da Missa Vespertina da Ceia do Senhor

 

 

Um diálogo que continua

«Pedro insistiu: “Nunca consentirei que me laves os pés”. Jesus respondeu-lhe: “Se não tos lavar, não terás parte comigo”». Acabámos de ouvir este diálogo, com o que o antecedeu e continuou. “Continuou” no sentido mais amplo, porque continua hoje e assim continuará sempre. Dá sentido pleno a esta Missa Vespertina da Ceia do Senhor e a toda a vida eclesial que nela se concentra.
A insistência de Jesus em lavar os pés a Pedro revela o modo como o próprio Deus nos serve, para nos ensinar a fazer assim e só assim. A resistência de Pedro é a mesma que mantemos quanto a reconhecer como Deus é e não como O imaginamos, ou nos projetamos. Grande alienação, de facto, que nos alheia da verdade de Deus, dos outros e de nós próprios. 
Humildade e verdade são irmãs gémeas e nunca vai uma sem a outra. A humildade mantém-nos na verdade. A nossa verdade, de sermos realmente pequenos, frágeis e insuficientes – e nem precisaríamos que a atual pandemia o lembrasse.
Vejamo-lo positivamente, pois pequenez e fragilidade são outras tantas aberturas aos outros e a Deus, para só assim nos mantermos e sermos realmente “pessoas”: dos outros, com os outros e para os outros, sem autossuficiência descabida. É nesta interdependência total, humildemente aceite e ativada, que nos demonstramos “imagem e semelhança” de Deus uno e trino: Deus Pai só o é em relação a Deus Filho, como o Filho em relação ao Pai; e o Espírito é Vida que deles procede, na mútua interdependência que Os define.
Deus, que assim se vislumbra, também assim atua, criando-nos para se rever em nós, como nós em Deus. Por isso se apresenta finalmente em Jesus, como quem serve e nos quer igualmente servidores, que se ganham na partilha.
Nestes tempos difíceis que vivemos, tenho recolhido e agradecido vários testemunhos de realização feliz de muitos que servem, cuidam e realmente se interessam pelo bem dos outros. São exemplos diários e em todos os setores se verificam. Na saúde, na família, no voluntariado, na atenção pastoral reforçada e criativa. É uma felicidade autêntica, daquela que o próprio Jesus referiu: «A felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35).
Importante será mantermos esta mesma disposição depois de vencida a pandemia, para a continuarmos a exercitar em relação a tudo quanto falta e é tamanho, rumo a um mundo mais fraterno, solidário e inclusivo. Importante será reconhecermos que só com os outros e para os outros seremos inteiramente nós, na humildade e no serviço.

Patriarcado de Lisboa

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