31 maio 2022

O PASSARITO


 
O passarito tinha ficado preso no intervalo ajardinado em frente da janela do meu escritório nas termas.
As paredes são altas e o passarito ainda novo não tinha forças para voar tão alto.
Tentou vários voos, mas infelizmente não conseguiu altura suficiente para sair do “buraco” em que tinha caído.
Lançava chilreios desesperados e os seus pais já lhe tinham vindo fazer companhia, mas não conseguiram tirá-lo da situação em que o pobre passarito se tinha metido.

Decidi que tinha chegado o momento de ir ajudar o pobrezito a sair daquela situação agarrando-o e colocando-o na rua de onde pudesse voar para o ninho.
Fui abrir a porta que dava para o “buraco” ajardinado, mas o passarito num derradeiro esforço conseguiu levantar e chegar à berma do alto da parede.
Ouço agora os seus chilreios, mas já são de alegria, os dele e todos os outros que se lhe juntaram.

E ao acabar de escrever tudo isto que agora se passou à minha frente, apenas vem ao meu coração um versículo bíblico: «Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.» Lc 15, 32

Quantas vezes não estamos nós em situações em que nos deixámos cair e nos parece que delas não conseguimos sair?
Vêm outros e tentam ajudar-nos, mas nós ainda não encontrámos forças para sairmos daquela situação.
É que há situações em que por culpa nossa caímos, mas que por muito que nos que nos queiram ajudar e ajudem, o último esforço tem que ser nosso, da nossa vontade, para conseguirmos vencer a situação.

E estamos sós nessa luta derradeira para vencer esse momento?
Claro que não!
Deus está connosco e o amor do Pai e do Filho derramam o Espírito Santo em nós, que nos dá forças e asas de confiança e esperança, para voarmos em liberdade.

É muito bom e gratificante ver em tudo a mão de Deus!




Monte Real, 31 de Maio de 2022
Joaquim Mexia Alves

 

29 maio 2022

O Papa rezará o terço a Nossa Senhora Rainha da Paz

  Vista do Palácio Apostólico durante o Regina Coeli   (Vatican Media)  
 
"Jesus sobe ao Pai para interceder em nosso favor, para apresentar-lhe a nossa humanidade. Assim, diante dos olhos do Pai, há e haverá sempre, com a humanidade de Jesus, as nossas vidas, as nossas esperanças, as nossas feridas (...). Aprendamos isto: a oração de intercessão, interceder pelas esperanças e sofrimentos do mundo, interceder pela paz. E abençoemos com o olhar e com as palavras aqueles a quem encontramos todos os dias!"
 

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

“Ao subir ao Céu, em vez de ficar perto de poucos com o seu corpo, Jesus faz-se próximo de todos com o seu Espírito. O Espírito Santo torna Jesus presente em nós, para além das barreiras do tempo e do espaço, para nos tornar suas testemunhas no mundo.”

Ascensão do Senhor ao Céu e Pentecostes, dois acontecimentos intimamente ligados cuja relação foi metodicamente explicada pelo Papa na sua alocução que precedeu a oração do Regina Coeli neste domingo, 29 de maio.

Dirigindo-se aos milhares de fiéis e turistas reunidos na Praça de S. Pedro, Francisco começou por recordar  que a Ascensão, isto é, o retorno de Jesus ao Pai, após cumprida a sua missão terrena, é celebrada neste domingo em vários países.

Mas, como entender este acontecimento, qual o seu significado?, pergunta. Para responder – explicou – devemos concentrar-nos em duas ações que Jesus realiza antes de subir ao Céu: anuncia o dom do Espírito e depois abençoa os discípulos.

O anúncio do dom do Espírito: ao subir ao Céu, Jesus não abandona os seus discípulos

Ao dizer "eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu”, Jesus “está a falar do Espírito Santo, do Consolador, daquele que vos acompanhará, vos guiará, vos sustentará na missão, vos defenderá nas batalhas espirituais”, explicou ainda Francisco:

Compreendemos então uma coisa importante: Jesus não está a abandonar  os seus discípulos. Ele sobe ao Céu, mas não nos deixa sozinhos. Antes pelo contrário, precisamente ao subir ao Pai, assegura a efusão do Espírito Santo, do seu Espírito.

E a subida ao Céu para que o Paráclito pudesse vir, tornando assim Jesus presente e próximo, também é uma demonstração do seu amor por nós:

A sua presença não quer limitar a nossa liberdade. Pelo contrário, abre espaço para nós, porque o verdadeiro amor sempre gera uma proximidade que não sufoca, não é possessivo, é próximo mas não possessivo. Antes pelo contrário, o verdadeiro amor torna-nos protagonistas (...). Ao subir ao Céu, Jesus, em vez de ficar perto de poucos com o seu corpo, faz-se próximo de todos com o seu Espírito. O Espírito Santo torna Jesus presente em nós, para além das barreiras do tempo e do espaço, para nos tornar suas testemunhas no mundo.

Jesus, o grande sacerdote da nossa vida

Ao erguer as mãos e abençoar os apóstolos – a segunda ação – Jesus realiza um gesto sacerdotal:

Ao dizer-nos que Jesus é o grande sacerdote da nossa vida. Jesus sobe ao Pai para interceder em nosso favor, para apresentar-lhe a nossa humanidade. Assim, diante dos olhos do Pai, há as nossas feridas. Assim, ao fazer o seu "êxodo" para o Céu, Cristo "abre caminho", vai preparar-nos um lugar e, desde então, intercede por nós, para que sejamos sempre acompanhados e abençoados pelo Pai.

Aprender a interceder

O convite então do Papa nesta sua reflexão, é para pensarmos no dom do Espírito que recebemos de Jesus para sermos testemunhas do Evangelho:

Perguntemo-nos se realmente o somos; e também se somos capazes de amar os outros deixando-os livres e abrindo espaço para eles. E depois: sabemos ser intercessores pelos outros, isto é, sabemos rezar por eles e abençoar as uas vidas? Ou servimo-nos dos outros para o nossos próprios interesses? Aprendamos isto: a oração de intercessão, interceder pelas esperanças e sofrimentos do mundo, interceder pela paz. E abençoemos com o olhar e com as palavras aqueles a quem encontramos todos os dias!

E antes de rezar o Regina Coeli, o Papa convidou a rezarmos a Nossa Senhora, “a bem-aventurada entre as mulheres que, repleta do Espírito Santo,  reza sempre e intercede por nós.”

Em 31 de maio, unir as orações pela paz, pede o Papa

E o Papa voltou ao tema da paz também no final da recitação do Regina Coeli. Dirigindo-se aos fiéis na Praça de S. Pedro e àqueles de todo o mundo, convidou para a recitação do Rosário por ele conduzida, em conexão com numerosos Santuários do mundo em territórios de guerra, no dia 31 de maio, às 18h, horário italiano, na Basílica de Santa Maria Maior. Unindo assim as preces para obter o "dom que o mundo espera".

Francisco também relança o Dia Mundial das Comunicações celebrado neste domingo, cujo tema desta 56º  edição é a escuta: "saber ouvir, deixar que os outros falem tudo, sem interromper – acrescentou - e crescer nessa capacidade".

Outra efeméride recordada pelo Santo Padre é a 21ª edição do Dia Nacional dedicado à promoção da cultura do alívio. A pessoa doente - diz ele - é sempre mais importante do que a doença e mesmo quando não é possível curar, sempre se pode consolar e fazer com que as pessoas sintam proximidade.

Um longo aplauso então, como de costume, o Papa pediu para o novo beato, Padre Luigi Lenzini, sacerdote e mártir de Módena, morto in odium fidei em 1945 pela fúria cega do comunismo anticlerical. Na manhã de sábado a celebração na Catedral de Módena foi presidida pelo cardeal Marcello Semeraro, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Num clima de ódio - disse - este sacerdote, mensageiro da verdade e da justiça, pode ajudar-nos a testemunhar o Evangelho com franqueza.

VN

25 maio 2022

O Papa sobre o massacre no Texas: é hora de dizer basta ao tráfico indiscriminado de armas

 
 
  A Escola no Texas onde ocorrreu o massacre  (ANSA)  
 
O apelo de Francisco após a catequese na audiência geral desta quarta-feira (25): "O meu coração está abalado pelo massacre na escola primária do Texas. Rezo pelas crianças, pelos adultos mortos e pelas suas famílias. É hora de dizer basta para o tráfico indiscriminado de armas! Devemo-nos comprometer para que tais tragédias nunca mais possam acontecer".
 

Vatican News

"É hora de dizer basta para o tráfico indiscriminado de armas. Devemos-nos comprometer para que tais tragédias nunca mais possam acontecer": são palavras do Papa nesta manhã de quarta-feira (25), após sua catequese na Audiência Geral na Praça São Pedro.

Cardeal Cupich: lamentamos, mas devemos agir

A reação dos bispos estadunidenses foi imediata, em particular o Cardeal Blase Cupich, Arcebispo de Chicago, condenou as leis sobre a posse de armas: "Devemos chorar e aprofundarmo-nos na dor... mas depois devemos estar prontos para agir". Já passaram dez anos desde o massacre de Sandy Cook, também uma escola primária, na qual 20 das 26 vítimas eram crianças. Recordando aquela e as muitas outras tragédias que ocorreram nos Estados Unidos nos últimos anos, o prelado perguntou-se: o que esperamos para os nossos filhos? Que, como regulamento da sua escola, aprendem a comportarem-se no caso de um ataque armado? Que se sintam em perigo simplesmente a fazer o que a sociedade diz ser um bem para eles: ir à escola? Que chegam a questionarem-se se têm futuro?".

"Temos mais armas de fogo do que pessoas"

Dom Cupich, apoiado por todos os bispos dos Estados Unidos, pediu a todos que imaginassem "ser um pai ou uma mãe com um filho naquela escola", e depois: "imaginem ter que enterrá-los". Todo o país está cheio de armas. "Temos mais armas de fogo do que pessoas", afirma ainda Dom Cupich. Embora nem sempre tenha sido assim, "os tiroteios em massa tornaram-se uma realidade diária nos Estados Unidos de hoje". "O direito de posse de armas nunca será mais importante do que o vida humana", conclui Dom Cupich, acrescentando: "Os nossos filhos também têm direitos. E os nossos agentes eleitos têm o dever moral de protegê-los”.

VN

O Papa: vemos surgir guerras cada vez mais implacáveis contra pessoas indefesas

 
  O Papa Francisco durante a Audiência Geral  (Vatican Media)  
 
Na catequese da Audiência Geral desta quarta-feira, Francisco enfatizou que "com todo o nosso progresso e com todo o nosso bem-estar, tornamo-nos realmente uma "sociedade do cansaço". A ciência avança, é claro, e isto é um bem. Mas a sabedoria da vida é algo completamente diferente, e parece estar paralisada".
 

Vatican News

O Papa Francisco deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre a velhice na Audiência Geral, desta quarta-feira (25/05), realizada na Praça de S. Pedro, que teve como tema "Eclesiastes: a noite incerta do sentido e das coisas da vida".

O Livro de Coélet é "outra joia inserida na Bíblia". Surpreende o seu famoso refrão: "Tudo é vaidade", tudo é "neblina", "fumaça", "vazio". "É surpreendente encontrar estas expressões, que questionam o significado da existência, dentro da Sagrada Escritura", frisou o Papa.

Há esperança para o amor e a fé

Segundo o Papa, diante de uma realidade que em certos momentos parece "acabar no nada, o caminho da indiferença também pode-nos parecer o único remédio para uma dolorosa desilusão", fazendo surgir em nós perguntas como: "Será que os nossos esforços mudaram o mundo? Alguém talvez é capaz de fazer valer a diferença entre o justo e o injusto? Parece que tudo isto é inútil: porque fazer tanto esforço?"

É uma espécie de intuição negativa que pode surgir em qualquer estação da vida, mas não há dúvida de que a velhice torna quase inevitável o encontro com o desencanto. E assim a resistência da velhice aos efeitos desmoralizantes deste desencanto é decisiva: se os idosos, que já viram de tudo, conservam intacta a sua paixão pela justiça, então há esperança para o amor, e também para a fé. E para o mundo contemporâneo, a passagem por esta crise tornou-se crucial, uma crise salutar, porque uma cultura que presume medir tudo e manipular tudo também acaba a produzir uma desmoralização coletiva do sentido, do amor e do bem.

Ilusão da verdade sem justiça

Segundo Francisco, "para a nossa cultura moderna, que gostaria de entregar praticamente tudo ao conhecimento exato das coisas, o aparecimento desta nova razão cínica - que soma conhecimento e irresponsabilidade - é uma reação muito dura. De facto, o conhecimento que nos isenta da moralidade parece ser, em princípio, uma fonte de liberdade, de energia, mas logo se transforma numa paralisia da alma".

Com a sua ironia, o Eclesiastes "desmascara esta tentação fatal de uma omnipotência do saber – um "delírio de omnisciência" - que gera uma impotência da vontade. Os monges da mais antiga tradição cristã tinham identificado com precisão esta doença da alma, que de repente descobre a vaidade do conhecimento sem fé e sem moral, a ilusão da verdade sem justiça. Eles chamavam-na de 'acídia'. Esta é uma das tentações de todos, e também dos idosos, mas pertence a todos. Não se trata simplesmente de preguiça. Não se trata simplesmente de depressão. Ao contrário, é a rendição ao conhecimento do mundo sem mais paixão pela justiça e pela ação consequente".

Somos uma sociedade do cansaço

Segundo o Papa, "o vazio de sentido e de forças aberto por este saber, que rejeita toda responsabilidade ética e todo afeto pelo bem real, não é inofensivo. Ele não apenas tira as forças da vontade para o bem, mas abre a porta para a agressividade das forças do mal. São as forças de uma razão enlouquecida, que se tornou cínica por um excesso de ideologia".

Na verdade, com todo o nosso progresso e com todo o nosso bem-estar, tornamo-nos realmente uma "sociedade do cansaço". Pensem um pouco nisto: somos uma sociedade do cansaço. Devíamos produzir bem-estar generalizado e toleramos um mercado cientificamente seletivo da saúde. Devíamos colocar um limite intransponível à paz, e vemos surgir guerras cada vez mais implacáveis contra pessoas indefesas. A ciência avança, é claro, e isto é um bem. Mas a sabedoria da vida é algo completamente diferente, e parece estar paralisada.

Bruxaria com uma certa cultura

De acordo com Francisco, esse tipo de razão "irresponsável tira o sentido e energias também do conhecimento da verdade. Não é por acaso que a nossa época seja a das fake news, superstições coletivas e verdades pseudocientíficas. É curioso: nesta cultura do saber, de conhecer todas as coisas, até mesmo da precisão do conhecimento, difundiram-se muitas bruxarias, mas bruxarias cultas. É bruxaria com uma certa cultura, mas que leva-te a uma vida de superstição: por um lado, para ir adiante com inteligência no conhecimento das coisas até às raízes; por outro lado, a alma que precisa de outra coisa e toma o caminho das superstições e acaba nas bruxarias".

Segundo o Papa, "a velhice pode aprender da sabedoria irónica de Coélet a arte de levar à luz o engano escondido no delírio de uma verdade da mente desprovida de afetos pela justiça. Os idosos ricos em sabedoria e humorismo fazem muito bem aos jovens! Eles salvam-nos da tentação de um conhecimento do mundo triste e desprovido da sabedoria da vida". "Coragem, todos nós idosos: coragem e adiante! Temos uma missão muito grande no mundo. Mas, por favor, não procurem refúgio neste idealismo um pouco não concreto, não real, sem raízes – digamos claramente: nas bruxarias da vida", concluiu.

VN

24 maio 2022

A MORTE NO AMOR

 
 
 
Olho a inevitabilidade da morte, sobretudo quando acontece nos mais novos do que eu, e fico a pensar que, realmente, só permanecendo em Cristo a morte tem sentido.

Claro que este sentido da morte é muito difícil, diria quase impossível de perceber aos que ficam por cá e sentem e choram a ausência dos que partiram, mas se a mais nada nos podemos “agarrar”, temos, no entanto, a certeza de que permanecendo em Cristo como Ele vivemos para sempre.

E isso mitiga a nossa dor, o nosso sofrimento?
Talvez não, porque nos é quase impossível suportar a ausência dos que amamos.

Mas eles, os que partiram permanecendo em Cristo, gosto de os ver, de os sentir como Jesus Cristo dizendo: «Se assim não fosse, como teria dito Eu que vos vou preparar um lugar?» Jo 14, 2

Não podemos saber os mistérios de Deus, mas sabemos pela fé que em tudo Ele quer apenas e só o nosso bem, a nossa salvação, e que mesmo aquilo que nos é, por vezes, quase insuportável de viver, acaba por se tornar num bem maior que conheceremos um dia, se nEle permanecermos e nEle morrermos para viver eternamente.

O amor não morre, nunca morre o verdadeiro amor e, por isso, quem vive no amor, não morre naqueles que o amam, porque o amor verdadeiro é Deus e vem de Deus e quem permanece em Deus vive no amor que se faz presente eternamente nos que estão em Deus e nos que esperam para estar em Deus na plenitude do amor.

«À ida vão a chorar … no regresso cantam de alegria» Sl 126




Monte Real, 24 de Maio de 2022
Joaquim Mexia Alves

Um Planeta a ser preservado, um grito ainda a ser ouvido

 
 
No sétimo aniversário da encíclica Laudato si, fazemos um balanço do que foi feito até agora e de como as palavras proféticas de Francisco tenham encaminhado processos fecundos, em todos os campos abordados pelo texto, desafiando tanto os governantes como as crianças o ponto de transformar a urgência num hábito: cuidar da Casa Comum, e de cada criatura, mesmo a mais efémera 
 

Cecilia Seppia – Vatican News

Se o Planeta Terra fosse uma pessoa, provavelmente hoje estaria deitado em alguma cama de hospital com intravenosa de morfina no braço para aliviar as muitas e atrozes dores que o afligem. Foi o próprio homem, nas últimas quatro décadas em particular, que, como um bom médico, tentou diagnosticar o paciente, submetendo-o a análises clínicas especializadas, até formular um diagnóstico nefasto: poluição; mudança climática; desaparecimento da biodiversidade; dívida ecológica entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios económicos; antropocentrismo; domínio da tecnocracia e das finanças, com a prevalência de uma generalizada "cultura do desperdício" que leva à exploração de crianças, ao abandono dos idosos, à escravidão de outros, ao comércio de órgãos ou de diamantes ensanguentados. Numa só palavra, "cancror" e, além disso, "cancro na fase final", que talvez seja ainda mais assustador do que as doenças descritas acima, mas que nos deixa indiferentes porque não afetou alguém da nossa família ou algum velho amigo. Este mesmo médico, tão escrupuloso na fase de diagnóstico, no entanto, esqueceu-se de encontrar uma cura adequada. Ou onde ele a tinha encontrado, esqueceu-se de administrá-la diariamente, com perseverança e amor. Há sete anos, em 24 de maio de 2015, com a encíclica Laudato si, o Papa Francisco relançou a urgência de uma terapia direcionada contra os males da Terra, apelando não aos doutores profissionais, mas a "todos os homens e mulheres de boa vontade": 221 páginas, uma introdução, seis capítulos e duas esplêndidas orações finais que imediatamente deixaram a sua marca não apenas na Doutrina Social da Igreja, mas também nos processos políticos, económicos e ecológicos das nossas sociedades globalizadas.

Palavras proféticas

Hoje, também à luz da dramática experiência da pandemia que nos colocou de joelhos e da guerra que continua a semear o terror e a destruição, temos provas, por um lado, das intuições "proféticas" do texto de Francisco e, por outro, da sua força, tão simples quanto o verso do Cântico das Criaturas do qual tira o seu nome e, ao mesmo tempo, tão eficaz como cada palavra dirigida a Deus com fé. Os frutos da encíclica do Papa Bergoglio, a segunda de seu pontificado, de facto desencadearam processos fecundos, muitos dos quais ainda estão em andamento, em todos os campos tocados pelo texto, desafiando os governantes, assim como as crianças, que estão determinadas, sem qualquer hesitação, a fazer a sua parte. O contexto cultural e magisterial no qual as reflexões do Papa estão enraizadas é vasto e bem documentado: desde Paulo VI, que se referiu ao problema ecológico, apresentando-o como uma crise que é a "consequência dramática" da atividade descontrolada do ser humano, a São João Paulo II, até Bento XVI, que com preocupação convidou-nos a reconhecer que a Criação está comprometida ali "onde somos as últimas instâncias, onde o todo é simplesmente nosso património e o consumimos somente para nós mesmos". No entanto, na maravilhosa obra das mãos de Deus, não há predador, não há egoísmo, não há senhores e escravos, não há ambiente a ser explorado segundo a vontade de cada um, mas um lugar, uma casa de facto, a ser partilhada em harmonia. Francisco diz: " A Bíblica ensina-nos que o mundo não nasceu do caos nem do acaso, mas de uma decisão de Deus que o chamou e sempre o faz, à existência, por amor. O universo é belo e bom, e contemplá-lo permite-nos entrever a infinita beleza e bondade do seu Autor. Cada criatura, mesmo a mais efémera, é o objeto da ternura do Pai, que lhe atribui um lugar no mundo".

Tudo está conetado, mesmo as crises

O primeiro e precioso fruto da Laudato si' é precisamente a sua capacidade de conecar aspetos que antes eram tratados setorialmente. Não é por acaso que entre as expressões mais citadas estão "ecologia integral", que constitui o seu verdadeiro coração, e "tudo está conetado", que se tornou quase um slogan, e a anotação de que "não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas sim uma única e complexa crise sócio-ambiental": o Planeta está em mau estado, mas o homem certamente não está melhor, obrigado pelas caristias, pela fome, pelos deslizamentos, pelas inundações, pelas guerras, pela corrupção, ao deixar a sua própria casa, sem saber se encontrará outra. Também neste ano contamos no Vatican News, muitas histórias inspiradas na Laudato si', de Roma às Ilhas Salomão, atravessando os Cinco Continentes com os testemunhos daqueles que quiseram assumir a questão. A ação a favor do meio ambiente atravessa culturas, povos, contextos geográficos e crenças, também deve ser dito, que a Igreja tem sido uma enorme fonte de ideias e projetos, graças aos quais as palavras do Pontífice não ficaram no papel.

Os projetos

Em Gana, por exemplo, os bispos da Conferência Episcopal estão a organizar a plantação de um milhão de árvores, uma ação concreta que complementa e apoia o projeto governamental "Gana Verde" lançado em junho de 2021. No Quénia, eles já tinham começado no ano passado, com o plantio de sementes na floresta de Kakamega, a única floresta tropical remanescente no país. O programa teve a participação de 500 pessoas de diferentes confissões cristãs, que realizaram também iniciativas de consciencialização para um uso mais respeitadores dos recursos da Terra. "Plantar uma árvore", disse precisamente o Papa Franómenos como o desmatamento e a desertificação. Mas também estimula-nos a continuar a ter confiança, a esperar e, sobretudo, a comprometermo-nos concretamente para transformar todas as situações de injustiça e de degradação de que hoje sofremos". Com isto em mente, os jovens do Movimento Laudato si', de modo particular, também intervieram na esfera urbana para enfrentar simbólica e concretamente um dos maiores desafios que as cidades enfrentam: o da grande produção de lixo. E assim, em colaboração com a ONG Nairobi Recyclers (Narec), eles criaram um projeto de reciclagem que tem como objetivo limpar parte da capital. Além de acolher lixo e proteger o meio ambiente da poluição, a equipe da Nairobi Recyclers também selecionou 17 escolas e cinco casas religiosas que acolhem crianças nas quais planejam plantar mais de mil árvores frutíferas e de outras espécies. Mas a Igreja, além de projetos de reflorestamento na África, implementou muitos noutros contextos, em descarbonização, em eficiência energética, agricultura sustentável, abastecimento de água potável, limpeza dos mares com a retirada do plástico, da educação e consciencialização ambiental, sem nunca esquecer a pessoa e a proteção da vida humana. A este respeito, não se pode deixar de mencionar o trabalho do episcopado americano e da diocese de Chicago, que sob a liderança do cardeal arcebispo da cidade, Dom Blase Joseph Cupich, tem o mérito de ter instituído o primeiro ministério Laudato si' do mundo, chamando à ação tantos católicos, jovens e não jovens, que colocaram a sua profissão ou o seu 'carisma' ao cuidado da Casa Comum e na defesa dos mais frágeis. Menção especial também para a diocese de Burlington, que engajou os fiéis na consciencialização e ação para uma maior justiça ecológica, iniciando projetos para combater a cultura do descarte (fabricação de compostagem em hortas e jardins, uso exclusivo de materiais reciclados começando com o papel, modelos circulares de produção e consumo alimentares e muito mais), juntamente com o início do monitorização dos imóveis diocesanos no que diz respeito ao fornecimento de energia a ser convertida em formas renováveis ou de baixo impacto ambiental. Também é grande o envolvimento das comunidades locais, por parte da Igreja, para salvar a Amazónia, o pulmão verde do mundo que corre o risco de ser destruído cada dia mais devido ao desmatamento, da corrupção, da exploração intensiva do solo e do desaparecimento da biodiversidade.

Os frutos de um apelo incansável

"Há uma ligação clara entre a proteção da natureza e a construção de uma ordem social justa e equitativa. Não pode haver uma renovação da nossa relação com a natureza sem uma renovação da própria humanidade", disse o Papa na reunião com as autoridades quenianas durante a Viagem Apostólica em novembro de 2015, que também tocou a Uganda e a África Central, alguns meses após a publicação da própria encíclica. O apelo do Pontífice, no entanto, é incansável: “Proteger a Terra para que ela não responda com destruição", não devorar a Terra, mas restituir-lhe dignidade, escutando o grito de sofrimento dos povos que continua a pressionar os ouvidos de todos. Também neste ano, assistimos a um animado florescimento das Comunidades Laudato si', que se originou de uma ideia do bispo de Rieti, Dom Domenico Pompili e do fundador do Slow Food Itália, Carlo Petrini, no silêncio da oração ou no barulho das mobilizações, mas sempre com iniciativas concretas, relançaram o tema da ecologia integral, apostando na conversão do coração, mas também da ação que atravessa e irradia o texto de Francisco. Desde 2020, apesar da pandemia, os círculos de Laudato si' aumentaram em quase 300 por cento. A encíclica permeou o debate político e científico desde a Conferência de Paris sobre o Clima em 2015 e a de Glasgow em 2021; garantiu que os cuidados da Casa Comum fossem incluídos entre as obras de misericórdia e iniciou a "Economia de Francisco". Sem esse documento, poderia ter sido mais difícil realizar um Sínodo como o da Amazónia (cuja conexão com Laudato si' é evidente desde o tema: "Novos caminhos para a Igreja e para a Ecologia Integral") e para chegar à consequente exortação apostólica, Querida Amazónia, com os seus quatro sonhos - social, cultural, ecológico e eclesial - que são de facto um caminho de ecologia integral capaz de desafiar a consciência do mundo inteiro, ao qual o próprio Francisco referiu-se quando, na esteira do trabalho sinodal, falou de um verdadeiro "pecado ecológico". O próprio Sínodo da Juventude de 2018 e o "Documento sobre a Fraternidade Humana", assinado em 4 de fevereiro de 2019 em Abu Dhabi pelo Papa e o Grão Imame de Al-Azhar, al-Tayyib, seriam basicamente imputáveis entre os frutos deste texto, inicialmente visto como uma encíclica verde, sendo mais tarde entendido como uma verdadeira perspetiva inovadora, o motor de uma revolução cultural, que atravessa a sociedade em cada fenda. Durante a JMJ no Panamá, em janeiro de 2019, falou-se até mesmo de uma “Geração Laudato si’". É um facto, porém, que o paradigma da ecologia integral se tenha espalhado a nível internacional, graças também ao compromisso do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, assim como em Itália, onde entre outras coisas encontrou terreno particularmente fértil, dada a sensibilidade às questões ambientais demonstrada pela Conferência Episcopal Italiana e por cada uma das dioceses. Entretanto, o documento de Francisco deu nova vida à reflexão de associações comerciais como Coldiretti, Confcooperative e Confartigianato, ou a forças sindicais como a Cisl. A nível eclesial, também foi unido a iniciativas nacionais como as Semanas Sociais dos Católicos Italianos; inspirou eventos de espiritualidade, sobretudo o "Tempo da Criação" que acontece de 1° de setembro, o Dia Mundial de Oração pela Salvaguarda da Criação, a 4 de outubro, a festa de S. Francisco. Possibilitou a instituição da Semana Laudato si', este ano agendada de 22 a 29 de maio; alimentou a música, a arte, a cultura e até mesmo o cinema. "Fazemos parte de uma única família humana, chamados a viver numa casa comum da qual, juntos, constatamos a preocupante degradação", foram as palavras do Papa Francisco no texto entregue aos ambientalistas franceses, que ele encontrou em 3 de setembro de 2020, mas, acrescentou, "É gratificante saber que uma tomada de consciência sobre a urgência da situação já é sentida um pouco em toda a parte, que o tema da ecologia permeia cada vez mais os modos de pensar, a todos os níveis, e começa a influenciar as opções políticas e económicas, embora ainda haja muito a fazer”.

VN

22 maio 2022

JMJ apresenta Santos e Santas Patronos

 

 

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 apresentou hoje, 18 de maio – aniversário do nascimento de São João Paulo II –, os 13 Santos e Santas Patronos do encontro mundial de jovens que Portugal vai receber no próximo ano. Foram escolhidas “mulheres, homens e jovens” que, segundo o Cardeal-Patriarca de Lisboa, “demonstraram que a vida de Cristo preenche e salva a juventude de sempre”. No prefácio do livro com a apresentação de cada um dos Patronos, D. Manuel Clemente começa por acrescentar a “Padroeira por excelência”, a Virgem Maria. “Ela que se levantou e foi apressadamente para a montanha, ao encontro de sua prima Isabel, levando-lhe Jesus que concebera. Assim ensina os jovens de todo o tempo e lugar a levaram Jesus aos outros que O esperam, agora como então!”.
Na mesma publicação da Paulinas Editora e Paulus Editora, o prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, Cardeal Kevin Farrell, convida os jovens a não fazerem “sozinhos” a “viagem” até Lisboa. “Tais Patronos não são ‘heróis do passado’ nem ‘celebridades’ distantes, mas irmãos e irmãs na fé que querem partilhar com todos os jovens a sua própria experiência de terem seguido a Cristo enquanto jovens e pelas diversas aventuras que a vida lhes proporcionou”, escreveu o responsável da Santa Sé.

 

 

Apresentação dos Patronos da JMJ Lisboa 2023,
por D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa


Padroeira por excelência da próxima Jornada Mundial da Juventude é a Virgem Maria, a jovem que aceitou ser mãe do Filho de Deus incarnado. Ela que se levantou e foi apressadamente para a montanha, ao encontro de sua prima Isabel, levando-lhe Jesus que concebera. Assim ensina os jovens de todo o tempo e lugar a levaram Jesus aos outros que O esperam, agora como então!

Patrono é também São João Paulo II, a quem se deve a iniciativa das Jornadas, que têm reunido e animado milhões de jovens dos cinco continentes.

Padroeiros e padroeiras são todos os santos e santas que se dedicaram ao serviço da juventude e em especial São João Bosco, que São João Paulo II declarou “Pai e Mestre da Juventude”. Aos formadores propôs o seu “sistema preventivo”, de permanente atualidade: «Estai com os jovens, evitai o pecado pela razão, religião e amabilidade. Tornai-vos santos, educadores de santos. Os nossos jovens sintam que são amados».

Contamos também com a proteção de São Vicente, diácono e mártir do século IV, que sendo padroeiro da diocese a todos acolherá e reforçará com a sua caridade e testemunho evangélico.

Realizando-se em Lisboa, a Jornada terá o apoio celestial de alguns santos lisboetas, que daqui partiram para anunciar a Cristo. Como Santo António, nascido por volta de 1190, que mais tarde seguiria, já franciscano, rumo a Marrocos primeiro e logo de seguida para a Itália, o Sul de França e de novo Itália, convertendo muita gente ao Evangelho que vivia e pregava. Faleceu em Pádua em 1231 e um ano depois já tinha sido canonizado, tanta era a certeza da sua santidade. O papa Leão XIII chamou-lhe “o santo do mundo inteiro”.

Também de Lisboa foi, séculos depois, São Bartolomeu dos Mártires, dominicano e arcebispo de Braga. Partiu para Trento, tomando parte na última fase (1562-63) do Concílio que ali quis reformar a Igreja, tornando os pastores mais próximos das ovelhas, como o Evangelho requer e tanto insiste o Papa Francisco. São Bartolomeu, no Concílio e depois, foi determinante neste sentido e ainda hoje nos motiva a todos.

Um século depois, outro jovem lisboeta, São João de Brito, jesuíta, partiu para a Índia, para anunciar Cristo. Imparável no anúncio e nas viagens difíceis, vestindo e falando de modo a chegar a todos os grupos e classes, foi martirizado em Oriur, em 1693.

Acompanham-nos também alguns bem-aventurados (beatificados), lisboetas também. A primeira, Joana de Portugal, filha do rei Afonso V, que podendo ter sido rainha em vários reinos da Europa preferiu unir-se a Cristo e à paixão de Cristo, partindo para o claustro aos dezanove anos. Faleceu em Aveiro, no convento das dominicanas, em 1490. Chamamos-lhe Santa Joana Princesa e impele-nos a escolhas radicais.

Em 1570, João Fernandes, jovem jesuíta, foi martirizado ao largo das Canárias, quando se dirigia para a missão do Brasil. Foi um dos quarenta mártires dessa altura, chefiados pelo Beato Inácio de Azevedo. Tinham partido em resposta ao seu apelo missionário e decerto contribuíram desse modo no Céu para a missão que não conseguiram realizar na terra.

Mais tarde, Maria Clara do Menino Jesus, jovem aristocrata nascida nos arredores da capital. Ficou órfã muito cedo, mas decidiu ser “mãe” dos desamparados. Numa altura em que tal era oficialmente proibido, conseguiu fundar uma congregação religiosa dedicada a essa causa (Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição). Até falecer, em 1899, ultrapassou todas as oposições, repetindo: «Onde é preciso fazer o bem, que se faça!»

A estes jovens lisboetas que “partiram” como a Mãe de Jesus, quer na geografia do mundo quer na geografia da alma, para levarem Cristo a muitos outros, juntam-se padroeiros de outras origens, mas do mesmo Reino. Como o bem-aventurado Pedro Jorge Frassati, que até falecer em Turim, em 1925, aos vinte e quatro anos, a todos tocou com o dinamismo, a alegria e a caridade com que vivia o Evangelho, tanto escalando os Alpes como servindo os pobres. São João Paulo II chamou-lhe “o Homem das Oito Bem-Aventuranças”.

Com a mesma juventude e generosidade, contamos com o bem-aventurado Marcel Callo, nascido em Rennes e falecido no campo de concentração de Mauthausen em 1945. Foi escuteiro e depois jocista (Juventude Operária Católica) e, quando aos 22 anos foi chamado para o trabalho obrigatório na Alemanha, para lá partiu, com a firme intenção de continuar o apostolado nessa duríssima condição. Por isso o levaram depois para o campo de concentração onde viria a morrer.

Contamos ainda com a proteção de dois jovens bem-aventurados que também “partiram”, mesmo quando a doença lhes imobilizou o corpo, mas não o coração. Como Cristo pregado na cruz, que daí mesmo partiu para o Pai e nos salvou a todos com a vida que entregou. Foi com Cristo abandonado na cruz que se quis identificar a bem-aventurada Chiara Badano, jovem focolarina, quando aos 16 anos a doença a surpreendeu. Faleceria dois anos depois, em 1990, irradiando sempre uma alegria luminosa que confirmou o nome de “Luce”, que Chiara Lubich lhe dera.

No ano seguinte, 1991, nasceu o bem-aventurado Carlo Acutis, que veio a morrer de leucemia em Monza aos quinze anos. A sua curta vida foi preenchida com grande devoção mariana e eucarística, que a habilidade com o computador lhe permitiu difundir, mesmo durante a doença. Assim mesmo fez do seu sofrimento uma oferta e partiu feliz.

No tempo de cada um, os Patronos da JMJ Lisboa 2023 demonstraram que a vida de Cristo preenche e salva a juventude de sempre. Com eles contamos, com eles partimos!


D. Manuel Clemente
Cardeal-Patriarca de Lisboa

 

Patriarcado de Lisboa

Papa: "Não se pode dar a paz se não se está em paz"

 
 
"A paz de Jesus vem do seu coração manso, habitado pela confiança e daqui flui a paz que nos deixou: não se pode deixar a paz aos outros se não a temos em nós mesmos. Não se pode dar a paz se não estamos em paz". São palavras do Papa Francisco na oração do Regina Caeli deste VI Domingo de Páscoa na Praça São Pedro
 

Jane Nogara - Vatican News

Na oração do Regina Caeli deste domingo, 22 de maio, VI Domingo de Páscoa, o Papa Francisco falou sobre a paz com as palavras de Jesus, recordando as palavras ditas pelo mestre na Última Ceia. Embora Jesus soubesse tudo o que aconteceria, estava sereno, e disse ao despedir-se dos discípulos: “Deixo-vos a paz" e "Dou-vos a minha paz" (Jo 14, 27).

Morre-se como se viveu

Francisco refletiu sobre estas palavras destacando que Jesus “em vez de mostrar agitação, permaneceu gentil até ao final. Um provérbio diz que morre-se como se viveu. As últimas horas de Jesus são, de facto, como a essência de toda a sua vida. Ele sente medo e dor, mas não dá espaço para ressentimentos e protestos”. Explica que a paz de Jesus vem do seu coração manso, habitado pela confiança e daqui flui a paz que Jesus nos deixou, concluindo:

“Pois não se pode deixar a paz para os outros se não a temos em nós mesmos. Não se pode dar a paz se não estamos em paz”

A mansidão é possível

Francisco diz ainda que este gesto demonstra que a mansidão é possível e que Ele a encarnou no momento mais difícil e quer que nos comportemos assim.

Isto é testemunhar Jesus e vale mais do que mil palavras e muitos sermões. Perguntemo-nos se, nos lugares onde vivemos, nós discípulos de Jesus comportamo-nos assim: aliviamos as tensões, extinguimos os conflitos? Estamos também nós em atrito com alguém, sempre prontos para reagir, para explodir, ou sabemos como responder com a não-violência, com palavras e gestos mansos?”.

E o Papa pondera ainda “É claro que esta mansidão não é fácil: como é difícil, a todos os níveis, acabar com os conflitos!”. Porém, segue Francisco, neste ponto vem em nosso auxílio a segunda frase de Jesus: ‘Dou-vos a minha paz’. Ele sabe que sozinhos não somos capazes de manter a paz, que precisamos de ajuda, um dom”.

Dom de Deus, ajuda para a paz

Explicando seguidamente que a paz, que é nosso compromisso, é, antes de tudo, um dom de Deus.

“De facto, Jesus diz: ‘Eu dou-vos a minha paz. Não como o mundo dá, eu a dou’. Que paz é essa que o mundo não conhece e que o Senhor nos dá? É o Espírito Santo, o mesmo Espírito de Jesus. É a presença de Deus em nós, é a ‘força da paz’ de Deus”

Francisco acrescenta sobre este ponto:

É Ele, o Espírito Santo, quem desarma o coração e o enche de serenidade. É Ele, o Espírito Santo, quem derrete a rigidez e extingue as tentações de agredir os outros. É Ele, o Espírito Santo, quem nos lembra que ao nosso lado há irmãos e irmãs, não obstáculos e adversários. É Ele, o Espírito Santo, quem nos dá a força para perdoar, para recomeçar, porque com as nossas forças não podemos. E é com Ele, com o Espírito Santo, que nos tornamos homens e mulheres de paz”.

Por fim recorda que nenhum fracasso, nenhum rancor deve desencorajar-nos de pedir com insistência o dom do Espírito Santo, porque “quanto mais agitado está o nosso coração, quanto mais sentirmos dentro de nós nervosismo, impaciência, raiva, mais devemos pedir ao Senhor o Espírito de paz. Aprendamos a dizer todos os dias: 'Senhor, dá-me a tua paz, dá-me o Espírito Santo'".

VN