01 abril 2021

O Papa: a força da vitória de Cristo vence o mal e liberta-nos do maligno

 
 O Papa Francisco durante a Missa do Crisma nesta Quinta feira Santa 
 
 
Abraçar a cruz "com Jesus e como Ele, permite-nos discernir e repelir o veneno do escândalo com que o demónio procurará envenenar-nos quando chegar inesperadamente uma cruz na nossa vida", disse Francisco aos sacerdotes durante a Missa do Crisma, nesta Quinta-feira Santa.

 

Vatican News

O Papa Francisco presidiu a Missa do Crisma, com os sacerdotes de Roma, na Basílica de São Pedro, na manhã desta Quinta-feira Santa (01/04).

"No Evangelho, vemos uma mudança de sentimentos nas pessoas que escutavam o Senhor. É uma mudança dramática que nos mostra quão ligadas estão a perseguição e a cruz ao anúncio do Evangelho. Uma frase que alguém murmurou em voz baixa tornou-se insidiosamente «viral»: «Não é este o filho de José?»", disse o Pontífice.

Segundo o Papa, "trata-se de uma daquelas frases ambíguas que se dizem por dizer. Uma pessoa pode usá-la para exprimir alegria: «Que maravilha ver alguém de origens tão humildes falar com esta autoridade!» Mas outra pode usá-la com desdém: «E isto, donde lhe veio? Que pensa ser?» Se notarmos bem, o caso repete-se quando os Apóstolos, no dia de Pentecostes, cheios do Espírito Santo, começam a pregar o Evangelho. Alguém disse: «Esses que estão a falar, não são todos galileus?» E enquanto alguns acolheram a Palavra, outros consideraram-nos bêbados".

Como sempre faz, o Senhor não dialoga com o espírito maligno; responde apenas com a Sagrada Escritura. Nem mesmo os profetas Elias e Eliseu foram aceites pelos seus compatriotas, mas foram-no por uma viúva fenícia e um sírio leproso: dois estrangeiros, duas pessoas doutra religião. Os factos são contundentes e provocam o efeito que profetizara aquele idoso carismático do Simeão: Jesus seria «sinal de contradição».

"A palavra de Jesus tem o poder de trazer à luz aquilo que uma pessoa guarda no coração, sendo habitualmente uma mistura de coisas como o trigo e o joio. E isto provoca luta espiritual", sublinhou Francisco.

"A rapidez com que se desencadeou a fúria e a brutalidade do encarniçamento, capaz de matar o Senhor naquele preciso momento, mostra-nos que é sempre a hora", disse o Papa aos sacerdotes, ressaltando que "andam juntas a hora do anúncio jubiloso e a hora da perseguição e da cruz". "A proclamação do Evangelho está sempre ligada ao abraço duma cruz concreta. A luz suave da Palavra gera clareza nos corações bem-dispostos, e confusão e rejeição naqueles que o não estão. Vemos isto constantemente no Evangelho", frisou o Papa.

"Ora, a fim de «tirar algum proveito» para a nossa vida sacerdotal, que reflexão poderemos fazer ao contemplar esta presença precoce da cruz (da incompreensão, da rejeição, da perseguição) no início e no meio da pregação evangélica? Vêm-me à mente duas reflexões", disse ainda Francisco.

"A primeira: não nos deve maravilhar a constatação de estar presente a cruz na vida do Senhor no início de seu ministério, pois estava já antes do seu nascimento: já está presente no primeiro turbamento de Maria ao ouvir o anúncio do Anjo; está presente nas insónias de José, sentindo-se obrigado a abandonar a sua esposa prometida; está presente na perseguição de Herodes e nas agruras sofridas pela Sagrada Família, iguais às de tantas famílias que têm de se exilar da sua pátria."

Esta realidade abre-nos ao mistério da cruz experimentada antes. Faz-nos compreender que a cruz não é um facto indutivo, ocasional produzido por uma conjuntura na vida do Senhor. É verdade que todos os crucificadores da história fazem aparecer a cruz como um dano colateral, mas não é assim: a cruz não depende das circunstâncias.

"Por que o Senhor abraçou a cruz em toda a sua integridade? Por que Jesus abraçou a paixão inteira: abraçou a traição e o abandono dos seus amigos já desde a Última Ceia, aceitou a prisão ilegal, o julgamento sumário, a sentença desproporcionada, a malvadez sem motivo das bofetadas e cuspidelas? perguntou o Papa. "Se as circunstâncias determinassem o poder salvífico da cruz, o Senhor não teria abraçado tudo. Mas quando chegou a sua hora, abraçou a cruz inteira. Porque a cruz não tolera ambiguidade; com a cruz, não se regateia!", disse ele.

A segunda reflexão do Papa diz o seguinte: "É verdade que há algo na cruz que é parte integrante da nossa condição humana, com os seus limites e fragilidades. Mas é verdade também que, daquilo que acontece na cruz, há algo que não é inerente à nossa fragilidade, mas é a mordida da serpente que, vendo o Crucificado indefeso, morde-O e tenta envenenar e desacreditar toda a sua obra. Mordida, que procura escandalizar, imobilizar e tornar estéril e insignificante todo o serviço e sacrifício de amor pelos outros. É o veneno do maligno que continua a insistir: salva-te a ti mesmo. Nesta mordidela, cruel e dolorosa, que pretende ser mortal, aparece finalmente o triunfo de Deus."

"Peçamos ao Senhor a graça de tirar proveito destes ensinamentos: é verdade que, no anúncio do Evangelho, há cruz; mas é uma cruz que salva. Pacificada com o Sangue de Jesus, é uma cruz com a força da vitória de Cristo que vence o mal e liberta-nos do maligno. Abraçá-la com Jesus e como Ele, permite-nos discernir e repelir o veneno do escândalo com que o demónio procurará envenenar-nos quando chegar inesperadamente uma cruz na nossa vida", frisou o Pontífice.

O Papa concluiu a sua homilia, partilhando uma lembrança de momento muito escuro de sua vida. Eu pedia ao Senhor a graça de me libertar daquela situação dura e difícil. Uma vez, fui pregar o Retiro a algumas religiosas, que, no último dia – como era costume então –, confessaram-se. Veio uma irmã muito idosa, com olhos límpidos, mesmo luminosos. Era uma mulher de Deus. No fim, senti vontade de lhe pedir que rezasse por mim, dizendo-lhe: «Irmã, como penitência reze por mim, porque preciso duma graça. Se for a Irmã a pedi-la, com certeza o Senhor me dárá». Ela parou um bom bocado, como se estivesse a rezar, e depois disse-me: «Certamente o Senhor lhe concederá a graça, mas não se engane: ele a dará segundo o seu modo divino». Isto fez-me muito bem: ouvir que o Senhor nos dá sempre o que lhe pedimos, mas fá-lo à sua maneira divina. Esta maneira envolve a cruz. Não por masoquismo, mas por amor, por amor até ao fim".

VN

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