04 abril 2021

Patriarca de Lisboa - Homilia no Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor

 

   

Revivendo a madrugada pascal

Nesta manhã pascal, onde a Palavra, o rito e mesmo um sobressalto de alma nos despertam tanto, deixai-me interrogar, ainda assim, se o comentário que acabámos de ouvir ao Evangelista não poderá aplicar-se um tanto a cada um de nós: «Na verdade ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus havia de ressuscitar dos mortos».
Aqueles discípulos tinham seguido Jesus, ouvido o que dissera e avisara, aludindo até a antigas profecias… E, no entanto, mesmo diante do túmulo vazio, ainda não tinham entendido.
Assim foi com eles. – E agora connosco? Não estamos na mesma situação, com dois milénios passados e repletos de testemunhos da ressurreição. Somaram-se, logo a seguir, os primeiros mártires, que ninguém conseguiu calar, tão forte era a certeza. - Como se entendem eles e os seguintes, tantos milhares até hoje? – Donde continuam a brotar o apostolado e a missão, do primeiro anúncio à nova evangelização que progride, aqui ou ali, com novo ardor, novos métodos e novas expressões? 
A resposta só pode ser a mesma, de há dois milénios para cá: Tudo brota da ressurreição de Cristo, que dá ao que disse e fez uma atualidade permanente, universal e criativa. Nada mais o explicaria bastantemente.
Estamos hoje aqui, como muitos outros por esse mundo além, mesmo em tempo pandémico, em torno de Alguém vivo e vivificante – e não apenas em memória de algum falecido ilustre, a quem a “lei da morte”, que é o esquecimento, já teria atingido.
Sim, temos razão sobeja para entender melhor a ressurreição de Cristo; mais até do que as personagens do primeiro embate e naquela altura. A meditação cristã tem-nos feito ver a coincidência absoluta com as antigas profecias e a própria aspiração da humanidade em geral. 

 

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Mas não é propriamente de compreensão que se trata, como coisa nossa e no habitual critério. Trata-se precisamente do contrário. Somos nós a ser “compreendidos” por Deus, digamos assim, na medida em que nos abarca e envolve no último gesto da sua misericórdia, fazendo-nos viver a ressurreição do seu Filho. 
Disse-o paradigmaticamente o Apóstolo Paulo, como também ouvimos: «Vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus». E desenvolveu noutro passo o que lhe acontecera a ele: «Quando aprouve a Deus – que me escolheu desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça – revelar o seu Filho em mim, para que O anuncie como Evangelho entre os gentios…» (Gl 1, 15-16). Dizem-nos os entendidos que o “em mim”, também pode traduzir-se por “a mim”, no sentido objetivo de tal revelação; mas sublinhando sempre o influxo íntimo e determinante que teve no Apóstolo e na missão a que se entregou. Só a vida nos faz viver e só o Ressuscitado nos torna em Evangelho vivo. 
Foi à luz deste facto total que Paulo interpretou e compreendeu tudo o que a Escritura anunciara e ele bem conhecia, versado que era. É assim também que nós compreendemos o que nos foi transmitido e a vida acrescentou. Isto aqui nos trouxe e daqui nos transporta, para oferecer a todos a Páscoa que vivemos.
Assim aconteceu com Pedro e com o outro discípulo, quando depois entenderam a Escritura antiga. Assim será connosco, que não cessaremos de procurar Aquele que já nos encontrou, como realidade absoluta e a perfazer em cada um. Vida que poderemos resumir como Paulo também resumiu a sua, num precioso passo: «Assim posso conhecê-lo a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformando-me com ele na morte, para ver se atinjo a ressurreição de entre os mortos. Não que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro, para ver se o alcanço, já que fui alcançado por Jesus Cristo» (Fl 3, 10-12).
Não acharemos melhor resumo do que seja a nossa vida pascal: Alcançar a Cristo, que já nos alcançou. Com a urgência que desperta e o testemunho que irradia.

 

 

 
Reparemos ainda como tudo se apressou naquela madrugada: Correu a Madalena, correram depois Pedro e o outro discípulo.    
Tudo o que se refere a Cristo é movimento. Assim resumiu a sua vida entre nós: «Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai» (Jo 16, 28). Um percurso terreno, coincidente com o seu percurso eterno, gerado pelo Pai e a Ele devolvido, na circulação constante do Espirito que compartilham.
É este movimento que nos ressuscita agora, com uma pressa de alma que nada tem a ver com precipitações mundanas. Por isso o Papa Francisco me disse o que disse, a propósito da Jornada Mundial da Juventude a realizar em Lisboa: Como Maria a caminho da casa de Isabel, iremos “apressadamente, mas não ansiosamente”.
Já não falta muito tempo para realizar a Jornada, com tudo o que há a fazer. Com as muitas ações em curso e o número crescente nelas envolvidos, transporta-nos aquela “pressa no ar” que o seu hino vai cantando em sucessivas línguas. Mas sem precipitação, porque o Cristo que se manifestará em tão grande encontro é o mesmo que, ressuscitado, nos acompanha e impele.
Assim será a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, no verão de 2023: Um sinal magnífico da ressurreição de Cristo, oferecido pelos jovens dos cinco continentes a este mundo que a pandemia afetou. O mundo que precisa de reviver a madrugada pascal. 


Sé de Lisboa, 4 de abril de 2021

+ Manuel, Cardeal-Patriarca 

Patriarcado de Lisboa

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