15 novembro 2020

“Primeira emergência é garantir a sobrevivência das pessoas”

O presidente da Cáritas Diocesana de Lisboa destaca a importância das Cáritas Paroquiais, “que estão no terreno e conhecem as realidades e as pessoas”. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, por ocasião do Dia Mundial dos Pobres (15 de novembro), o almirante Luís Macieira Fragoso sublinha que a pandemia “veio reforçar” a missão destas valências.

A atual direção da Cáritas Diocesana de Lisboa tem feito uma aposta nas Cáritas Paroquiais. Qual a importância destas valências?
A Cáritas Diocesana deve focar-se na animação e no apoio à ação sócio caritativa da Igreja, na diocese. Quem, melhor do que ninguém, está no terreno e conhece as realidades locais são as paróquias. Portanto, não faz muito sentido a Cáritas Diocesana ter grandes valências, grandes capacidades, porque há outras entidades que estão no local e que, supostamente, até conhecem melhor as pessoas, que são quem nós queremos ajudar. Quando falamos em caridade, não estamos a falar em questões administrativas, mas em apoio a pessoas, de uma maneira cristã. A nossa visão é nesse sentido. Aliás, o senhor Patriarca, quando nos deu posse, fez bastante enfoque nessa questão.
O que pretendemos com as Cáritas Paroquiais é que, nas paróquias, seja dinamizada a ação sócio caritativa, e que essa ação não seja uma coisa de alguns, que fizeram, num determinado momento, alguma coisa e tomaram uma iniciativa importante, como uma IPSS, um lar, uma creche, mas isso não esgota o acolhimento, não esgota todas as ações. A caridade tem tudo o que tem a ver com as pessoas, e é importante alertar as paróquias para isso. Algumas pensam que, por já terem esse trabalho, está tudo feito, está resolvido. Não é! Para isso, há o Estado, que funciona assim e não tem que exercer caridade. Nós, cristãos, queremos fazê-lo e apoiar os nossos iguais através da caridade.

De que forma isso pode ser feito?
Primeiro, temos que sensibilizar e formar os grupos. Depois, temos que criar condições para que esses grupos atuem de forma coerente com a doutrina. E isso é feito através da formação, não basta ter boa vontade, é preciso que as pessoas que estão a atuar no terreno estejam preparadas, a nível eclesiástico, a nível de formação teórica e teológica mínima, para dar sentido à sua ação e não ser apenas uma reação sentimental que qualquer pessoa de boa vontade terá. Há também aspetos técnicos, porque quando as pessoas se confrontam com problemas complicados, e infelizmente a realidade humana é assim, há muitas pessoas que estão em situação de pobreza absoluta e alguns transformam-se em profissionais da pobreza. O que nós queremos é que as pessoas não sejam pobres, e saiam dessa situação que é uma indignidade. Tudo isto faz parte de um pacote de formação, que permanentemente estamos a ministrar.

Considera que a pandemia veio reforçar a importância das Cáritas Paroquiais?
Nós tínhamos o combate à fome bastante controlado, por um conjunto de iniciativas que foram tomadas, em tempo, e de repente, com esta pandemia e com todos os problemas sociais que vieram daí, irrompeu um problema gravíssimo de fome. Portanto, essa é a primeira emergência: garantir a sobrevivência das pessoas. Claro que há muitas coisas para fazer e aí, as paróquias, uma vez mais, estarão sempre na primeira linha. Há muitas instituições católicas que estão no terreno a fazer coisas importantíssimas, mas as paróquias são o elo de ligação dos católicos a toda a estrutura. Quando há uma emergência, como é o caso, isso vem dar, ainda, mais força a esta rede – se nós pertencermos a uma rede, estamos mais à vontade para responder, em tempo e com resposta adequada, aos problemas e às necessidades das pessoas.

Têm-vos chegado ecos das Cáritas Paroquiais sobre as dificuldades que têm sentido?
Todos os dias recebemos pedidos, através das paróquias, para apoios a famílias, uma vez que elas já não têm condições e capacidade para dar essa resposta. E são problemas desde a alimentação, até às rendas, às despesas de habitação, aquelas coisas do dia-a-dia… Porque há muitos casos de pessoas que nunca pensaram em ser pobres e que de repente, de um dia para o outro, ficaram pobres, por força desta situação inesperada. Ficaram sem rendimento nenhum, e são pessoas altamente capazes, e é importantíssimo que rapidamente sejam reintegradas na vida normal da sociedade.
Atrás disto vêm outros problemas que nos preocupam, que são os centros sociais paroquiais, que fruto desta crise têm uma quebra importante de receitas, tal como as paróquias, que se estão a ressentir disso. É muito importante que as IPSS’s não deixem de cumprir a sua missão, porque senão, no território do Patriarcado, seria uma grande desgraça.

No universo das 285 paróquias da diocese haverá muito para crescer em termos de Cáritas Paroquiais…
Temos um enorme espaço para crescer. Infelizmente, a percentagem que temos de Cáritas Paroquiais é diminuta. Já crescemos alguma coisa nos últimos dois anos, neste momento estamos no processo de criação de seis novas Cáritas Paroquiais – sendo que duas estão já a entrar –, mas é um desafio, porque à medida que se vão concretizando estas Cáritas Paroquiais também nós temos que responder a esse desafio, porque é um aumento significativo e a tal rede precisa de quem faça os nós. Se funcionarmos em rede, há paróquias que estão bem financeiramente, têm condições, e paróquias ao lado que, se calhar, estão mal e é possível ajudar. Isso dá um sentimento de comunidade. Nós somos membros da mesma Igreja e a tal rede pode ajudar a criar esta visão.

Na manhã de 7 de novembro, a Cáritas de Lisboa reuniu com todas as Cáritas Paroquiais. Que importância têm estes momentos? 
Fazemos duas reuniões por ano com as Cáritas Paroquiais, com dois objetivos fundamentais: continuar a passar informação, explicando a nossa missão, para as pessoas não se desfocarem; e criar este sentimento de grupo, de que todos somos parte do mesmo. Ao mesmo tempo, partilha-se uma coisa importantíssima, que são as experiências, o darem a conhecer o que estão a fazer, as realidades que têm, porque a realidade das paróquias da Grande Lisboa pouco tem a ver com a realidade do Oeste.

Na primeira carta que escreveu ao clero de Lisboa, quando tomou posse, em abril de 2018, garantiu que tudo iria fazer para “ajudar com eficiência e eficácia os que necessitam de apoio”. Que caminho tem sido possível realizar por estes órgãos sociais?
O balanço é positivo. Claro que queremos que as coisas avancem muito mais depressa, mas a verdade é que nós sentíamos, quando chegámos, que havia uma certa incompreensão recíproca entre a Cáritas Diocesana e as paróquias, concretamente os párocos. Uns porque questionavam para o que servíamos e diziam não saber nada do que acontecia; do lado de cá, dizia-se que os párocos não ouvem, não ligam aos e-mails e não dão respostas. Esse foi o caminho difícil que se foi fazendo. Nós somos todos pessoas e, portanto, é preciso falar com elas diretamente, explicar. Isto demora tempo, mas as experiências que se vão tendo no terreno iluminam o caminho para outras e as coisas estão, progressivamente, a ser mais dinâmicas.

Que significado teve a criação, em 2017, do Dia Mundial dos Pobres, pelo Papa Francisco, que a Igreja assinala neste Domingo?
Para nós, é muito importante, porque é para os pobres que trabalhamos. Pessoalmente, não gosto muito de falar em pobres, porque atrás disso normalmente vem um estigma – gosto mais de falar em pessoas que estão carentes e precisam de apoio. De qualquer maneira, é positivo tudo o que sejam iniciativas que nos lembrem a importância de olhar para os outros e de criar condições para os apoiarmos. Nós não queremos que as pessoas fiquem pobres. O assistencialismo não é a nossa linha de ação, porque só resolve no momento, mas o problema subsiste. Sobretudo, é um problema de dignidade. O que queremos é devolver às pessoas condições para que possam aceder a um mínimo de condições de vida. Esta é uma luta permanente e nós temos que olhar para o nosso próximo e fazer com que ele tenha uma vida digna.

  • Leia o artigo completo na edição do dia 15 de novembro do Jornal VOZ DA VERDADE, disponível nas paróquias ou em sua casa.

 Patriarcado de Lisboa

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