17 dezembro 2020

Sessão de Conclusão do processo diocesano de Canonização do Padre Cruz


O Padre Cruz e a “nova evangelização”


Junto algumas palavras a tudo o que já foi dito neste momento conclusivo da fase diocesana do processo de canonização do Padre Cruz, com dois objetivos apenas: 

O primeiro é agradecer
aos que nela colaboraram, pela prontidão e eficácia com que levaram por diante o seu trabalho. Conseguiu-se, finalmente e bem, o que há tanto tempo tardava. Obrigado e parabéns!

O segundo diz respeito à oportunidade deste processo, em termos de evangelização e, mais propriamente “nova evangelização”. Não estranhemos a referência, ainda que o termo surja muito depois do Padre Cruz viver e trabalhar neste mundo. 
Como sabemos, foi São João Paulo II que o usou, alertando para a necessidade de transmitir com novo ardor e métodos renovados a mensagem evangélica, em espaços onde ela andava esquecida ou amortecida. Não se tratava já e apenas de manter a vida habitual das comunidades, ou do primeiro anúncio em terras distantes. Tratava-se de reconhecer que em territórios da “velha cristandade” há muito se requeria a conversão autêntica à novidade evangélica. 
Desde o século XIX que tal era sentido em Portugal por alguns cristãos mais lúcidos e ativos, ainda que contrariasse rotinas e encontrasse oposições dos que temiam “demasias religiosas”… Impressiona-nos ler textos desses protagonistas, por vezes bem próximos do que se escreveu muito depois sobre o tema, como diagnóstico e proposta. Insistiam particularmente em saídas missionárias para mais longe ou mais perto, mais claramente configuradas com o modo como Jesus procedera. E foi muito especialmente o Padre Cruz a protagonizar tal proposta, em várias décadas ardentes.   
O Papa Francisco faz incidir a “nova evangelização” sobretudo na resposta a todo o tipo de pobreza, retomando o sentido original que o próprio Cristo lhe deu: «O Espírito me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres…» (cf. Lc 4, 18). Assim a definiu no documento programático do seu pontificado: «A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas e a colocá-los no centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo nele: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles» (Evangelii Gaudium, 198). 
Mais à frente, diz também que esta atenção aos pobres – nos quais o próprio Cristo está atento a nós – não pode secundarizar o apoio espiritual e sacramental que requerem: «… desejo afirmar, com mágoa, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé, tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e amadurecimento na fé». Para concluir taxativamente: «A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária» (EG, 200).

Estas palavras do Papa Francisco imediatamente nos evocam a figura do Padre Cruz (1859-1948)
, que as incarnou de modo exemplar, no púlpito, na administração dos sacramentos, nas prisões, nos hospitais e fosse onde fosse. O termo “nova evangelização” é muito posterior, mas o que ele significa agora já podia significar então. Tratava-se de um país de doutrina e prática cristã muito diluídas. Foi um tempo difícil, antes e depois de 1910, para clérigos e leigos convictos.
O Padre Cruz soube manifestar o Evangelho na diocese e no país inteiro, com essa mesma atenção prioritária, que foi a de Cristo e a “nova evangelização” quer retomar. Não poderíamos encontrar figura mais inspiradora. Daqui a especial oportunidade do seu processo de canonização.
Escreve um biógrafo: «Não só a grande imprensa, da menos insuspeita aliás, proclamava a altos brados a caridade do Padre Crus. O próprio povo o sabia e repetia à boca cheia por esse Portugal fora. Resumo da voz do povo são os versos que os cegos cantavam pelas ruas, quando ele não era já deste mundo e onde lhe chamavam “o maior amigo dos pobres de Portugal”» (Isaque Barreira, Passou fazendo o bem, Lisboa, 1958, p. 182). 
Quando, já octogenário, partiu para uma missão na Madeira, foi assim o diálogo com um jornalista: «- Que vai V. Rª fazer à Madeira? – Visitar os presos nas cadeias e os doentes nos hospitais. Em toda a minha vida não tenho feito outra coisa» (cf. ibidem, p. 197).
Figura muito inspiradora, como vemos. Estou certo de que a canonização e, para já, a maior divulgação da sua vida exemplar nos vão impelir no rumo certo e inadiável.


Lisboa, São Vicente de Fora, 17 de dezembro de 2020

+ Manuel, Cardeal-Patriarca

Patriarcado de Lisboa

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