Alessandro Di Bussolo - Cidade do Vaticano
A construção de um mundo "mais solidário, justo e equitativo" não é
uma "questão política", mas "é dar corpo à fé" em Deus "amante do homem"
e da vida. Podemos ser verdadeiramente “todos irmãos”: se pode parecer
“uma utopia inatingível”, preferimos “acreditar que é um sonho
possível”, porque é “o mesmo de Deus”.
Este é o cerne da forte mensagem que o Papa Francisco deixa aos
participantes da Conferência internacional sobre "Solidariedade,
cooperação e responsabilidade, os antídotos para combater as injustiças,
desigualdades e exclusões", organizada no Vaticano pela Fundação Centesimus Annus Pro Pontifice
nos dias 21 e 22 de outubro, e cujos participantes foram recebidos na
manhã deste sábado, 23, na Sala Clementina do Palácio Apostólico.
A injustiça de um sistema económico que descarta vidas
Os temas da conferência “são grandes e essenciais”, sublinha
Francisco após agradecer à presidente da Fundação, Anna Maria Tarantola,
pelas suas palavras de saudação “sempre claras”. E aos membros da
Fundação, junto com os cientistas, economistas, ministros, cardeais e
bispos que participaram nos dois dias de trabalho, reafirma que são
reflexões importantes ...
Numa época em que as incertezas e precariedades que marcam a
existência de tantas pessoas e comunidades são agravadas por um sistema
económico que continua a descartar vidas em nome do deus dinheiro,
incutindo comportamentos vorazes em relação aos recursos da Terra e
alimentando-se muitas formas de iniquidade.
Estudar uma nova economia "equitativa e benéfica"
A injustiça e a exploração diante das quais “não podemos ficar
indiferentes”, esclarece o Pontífice, mas a resposta não pode ser apenas
denúncia, “é antes de tudo a promoção ativa do bem”, portanto,
“denunciar o mal, mas promover o bem”.
Neste sentido, expressa o seu apreço pela atividade da Fundação,
especialmente no campo da educação e da formação, bem como “o
compromisso de financiar estudos e pesquisas para os jovens sobre novos
modelos de desenvolvimento económico e social, inspirados na doutrina
social da Igreja”. Isso é algo importante, comenta:
No terreno poluído pelo predomínio das finanças, temos necessidade
de muitas pequenas sementes que façam brotar uma economia equitativa e
benéfica, à medida do homem e digna do homem. Temos necessidade de
possibilidades que se tornem realidades, de realidade que deem
esperança. Isto significa,colocar na prática a Doutrina Social da
Igreja.
O predomínio "inutilizável" e "líquido" das finanças
Sobre o “predomínio das finanças”, que aparece como “algo de
inutilizável”, “de líquido, gasoso”, e que acaba “como a corrente de
S. António”, o Papa conta, deixando de lado o discurso preparado,
sobre um encontro de há quatro anos atrás - “uma experiência que talvez
possa servir-vos” - com um “grande” economista, que também
trabalhava para um governo.
E ela disse-me que tentou criar um diálogo entre economia,
humanismo e fé, e religião, e que deu certo, e que deu certo e continua a caminhar bem, num grupo de reflexão. Tentou o mesmo - disse-me - com as
finanças, o humanismo e a religião, e não puderam nem mesmo começar.
Interessante. Isto faz-me pensar.
Solidariedade, cooperação e responsabilidade: é doutrina social
As três palavras escolhidas como título para a Conferência, solidariedade, cooperação e responsabilidade,
representam, reitera o Papa Francisco, “três pedras angulares da
Doutrina Social da Igreja”, que vê a pessoa humana “naturalmente aberta
às relações”, como “o vértice da criação e o centro da ordem social,
económica e política”.
Com este olhar, atento ao ser humano e sensível às dinâmicas da
história, “contribui para uma visão de mundo que se opõe àquela
individualista”, porque alicerça-se “na interligação entre as pessoas e
tem como fim o bem comum”. Mas também opõe-se, esclarece o Papa, “à
visão coletivista, que hoje ressurge numa nova versão, escondida nos
projetos de homologação tecnocrática”:
Mas não se trata de uma “questão política”: a Doutrina Social está
ancorada na Palavra de Deus, para orientar processos de promoção humana
a partir da fé no Deus feito homem. Por isso deve ser seguida, amada e
desenvolvida: apaixonemo-nos novamente pela Doutrina Social, tornemo-la
conhecida: é um tesouro da tradição eclesial!
É precisamente estudando a doutrina social, continua Francisco
a dirigir-se aos presentes, "que também vocês se sentiram chamados a comprometerem-se contra as desigualdades, que ferem em particular os mais
frágeis, e a trabalhar por uma fraternidade real e eficaz".
Zelar pelo respeito da pessoa humana
As três palavras da Conferência, "solidariedade, cooperação,
responsabilidade", recordam, para o Pontífice, "o mesmo mistério
trinitário de Deus, que a partir da "comunhão de Pessoas" convida-nos "à
abertura generosa aos outros (solidariedade), por meio da colaboração
com os outros (cooperação), por meio do compromisso com os outros
(responsabilidade)”. E a fazer isto “em todas as expressões da vida
social, por meio das relações, do trabalho, do empenho civil, da relação
com a criação, a política”.
Em todos os âmbitos, hoje somos mais do que nunca obrigados a
testemunhar a atenção pelos outros, a sair de nós mesmos, a
comprometer-nos gratuitamente com o desenvolvimento de uma sociedade
mais justa e equitativa, onde não prevaleçam o egoísmo e os interesses
de parte. E, ao mesmo tempo, somos chamados a zelar pelo respeito da
pessoa humana, pela sua liberdade, pela proteção da sua inviolável
dignidade.
Como irmãos de todos, colaborar com todos para o bem comum
Esta, para o Papa Francisco, é “a missão de pôr em prática a Doutrina
Social da Igreja”. Mas, ao fazê-lo, recorda, “muitas vezes se vai
contra a corrente”, mesmo que “não estejamos sozinhos”. Deus faz se
próximo de nós ”. Não em palavras, mas encarnando-se em Jesus. Com Ele,
nosso irmão, “reconhecemos em cada homem um irmão, em cada mulher uma
irmã”. Por isso, “animados por esta comunhão universal”, como crentes,
“podemos colaborar sem medo com cada um para o bem de todos: sem
fechamentos, sem visões excludentes, sem preconceitos”:
Como cristãos, somos chamados a um amor sem fronteiras e sem
limites, sinal e testemunho de que é possível superar os muros do
egoísmo e dos interesses pessoais e nacionais; superar o poder do
dinheiro que muitas vezes decide as causas dos povos; superar as cercas
das ideologias, que dividem e amplificam o ódio; superar cada barreira
histórica e cultural e, sobretudo, superar a indiferença: aquela cultura
da indiferença que, infelizmente, é quotidiana. Todos podemos ser
irmãos e, portanto, podemos e devemos pensar e trabalhar como irmãos de
todos.
Não uma utopia inatingível, mas um sonho possível: o de Deus
A da fraternidade universal, “pode parecer uma utopia inatingível”,
admite o Papa, que porém convida-nos a acreditar “que é um sonho
possível, porque é o mesmo sonho do Deus trino”. Com a sua ajuda, este
sonho "pode começar a tornar-se realidade também neste mundo". Uma
grande tarefa, a de "construir um mundo mais unido, justo e equitativo".
Para o crente, não é algo de prático desvinculado da doutrina, mas
é dar corpo à fé, para o louvor de Deus, amante do homem, amante da
vida. Sim, queridos irmãos e irmãs, o bem que vocês fazem a cada homem
na terra alegra o coração de Deus no céu.