Junto
algumas palavras a tudo o que já foi dito neste momento conclusivo da
fase diocesana do processo de canonização do Padre Cruz, com dois
objetivos apenas:
O primeiro é agradecer
aos que nela colaboraram, pela prontidão e eficácia com que levaram por
diante o seu trabalho. Conseguiu-se, finalmente e bem, o que há tanto
tempo tardava. Obrigado e parabéns!
O segundo diz respeito à oportunidade deste processo,
em termos de evangelização e, mais propriamente “nova evangelização”.
Não estranhemos a referência, ainda que o termo surja muito depois do
Padre Cruz viver e trabalhar neste mundo.
Como
sabemos, foi São João Paulo II que o usou, alertando para a necessidade
de transmitir com novo ardor e métodos renovados a mensagem evangélica,
em espaços onde ela andava esquecida ou amortecida. Não se tratava já e
apenas de manter a vida habitual das comunidades, ou do primeiro
anúncio em terras distantes. Tratava-se de reconhecer que em territórios
da “velha cristandade” há muito se requeria a conversão autêntica à
novidade evangélica.
Desde o
século XIX que tal era sentido em Portugal por alguns cristãos mais
lúcidos e ativos, ainda que contrariasse rotinas e encontrasse oposições
dos que temiam “demasias religiosas”… Impressiona-nos ler textos desses
protagonistas, por vezes bem próximos do que se escreveu muito depois
sobre o tema, como diagnóstico e proposta. Insistiam particularmente em
saídas missionárias para mais longe ou mais perto, mais claramente
configuradas com o modo como Jesus procedera. E foi muito especialmente o
Padre Cruz a protagonizar tal proposta, em várias décadas ardentes.
O
Papa Francisco faz incidir a “nova evangelização” sobretudo na resposta
a todo o tipo de pobreza, retomando o sentido original que o próprio
Cristo lhe deu: «O Espírito me ungiu para anunciar a boa nova aos
pobres…» (cf. Lc
4, 18). Assim a definiu no documento programático do seu pontificado:
«A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das
suas vidas e a colocá-los no centro do caminho da Igreja. Somos chamados
a descobrir Cristo nele: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas
causas, mas também a ser seus amigos, a compreendê-los e a acolher a
misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles» (Evangelii Gaudium, 198).
Mais
à frente, diz também que esta atenção aos pobres – nos quais o próprio
Cristo está atento a nós – não pode secundarizar o apoio espiritual e
sacramental que requerem: «… desejo afirmar, com mágoa, que a pior
discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A
imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé, tem
necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a
sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta de
um caminho de crescimento e amadurecimento na fé». Para concluir
taxativamente: «A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se,
principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária» (EG, 200).
Estas palavras do Papa Francisco imediatamente nos evocam a figura do Padre Cruz (1859-1948),
que as incarnou de modo exemplar, no púlpito, na administração dos
sacramentos, nas prisões, nos hospitais e fosse onde fosse. O termo
“nova evangelização” é muito posterior, mas o que ele significa agora já
podia significar então. Tratava-se de um país de doutrina e prática
cristã muito diluídas. Foi um tempo difícil, antes e depois de 1910,
para clérigos e leigos convictos.
O
Padre Cruz soube manifestar o Evangelho na diocese e no país inteiro,
com essa mesma atenção prioritária, que foi a de Cristo e a “nova
evangelização” quer retomar. Não poderíamos encontrar figura mais
inspiradora. Daqui a especial oportunidade do seu processo de
canonização.
Escreve um
biógrafo: «Não só a grande imprensa, da menos insuspeita aliás,
proclamava a altos brados a caridade do Padre Crus. O próprio povo o
sabia e repetia à boca cheia por esse Portugal fora. Resumo da voz do
povo são os versos que os cegos cantavam pelas ruas, quando ele não era
já deste mundo e onde lhe chamavam “o maior amigo dos pobres de
Portugal”» (Isaque Barreira, Passou fazendo o bem, Lisboa, 1958, p. 182).
Quando,
já octogenário, partiu para uma missão na Madeira, foi assim o diálogo
com um jornalista: «- Que vai V. Rª fazer à Madeira? – Visitar os presos
nas cadeias e os doentes nos hospitais. Em toda a minha vida não tenho
feito outra coisa» (cf. ibidem, p. 197).
Figura
muito inspiradora, como vemos. Estou certo de que a canonização e, para
já, a maior divulgação da sua vida exemplar nos vão impelir no rumo
certo e inadiável.
Lisboa, São Vicente de Fora, 17 de dezembro de 2020
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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