18 janeiro 2012

Assembleia do XXXVII Aniversário do RCC da Diocese de Lisboa

S. Vicente de Fora, 8 de Janeiro de 2012

Ensinamento
(Em texto - para reflexão)
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Ser discipulo de J. Cristo hoje

 Ser discípulo de Jesus Cristo, hoje 

1.     O Encontro com Jesus – a vocação
O encontro com o Amor incarnado: “nós acreditamos no amor de Deus – deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”, Papa Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caritas est, 1.
Na raiz da vocação cristã está o encontro com Jesus. No Evangelho vemos como a história dos primeiros discípulos encontrou um rumo novo graças à passagem de Jesus pelas suas vidas concretas. O encontro com Jesus transfigura e lança-nos para um novo horizonte. De tal forma que o que era antigo deixou de fazer sentido. Quando nos encontramos com Jesus abraçamos um novo modo de viver, relativizamos o que antes parecia dar o brilho à nossa existência, partimos para uma nova terra. É o olhar de Jesus que penetra o nosso coração e que nos convida a segui-l’O para onde quer que Ele vá. Muitas vezes a tibieza do discípulo nasce da relativização deste encontro. Jesus passou pela nossa vida, encontrou-se connosco, lançou um desafio concreto mas nós não o queremos levar até às últimas consequências – surge assim uma realidade de quase discípulo ou discípulo de coração dividido.

Vejamos alguns exemplos na Escritura:
Chamamento dos primeiros discípulosMt 4, 18-22; Mc 1, 16-22; Jo 1, 35-51
Chamamento de MateusLc 5, 27-28
Chamamento de PedroJo 21, 15-19
Chamamento de PauloAct. 9, 1-9.17-19
 

 Para reflectir 

a)    Começo por identificar as passagens de Jesus pela minha vida. Como é que Jesus se encontrou comigo? Lembro-me de algum acontecimento concreto?
b)   O que me impede de seguir Jesus com o coração indiviso? Vemos nos exemplos da Escritura que Jesus passa pela vida dos discípulos, lança um convite e eles, deixando tudo, seguem-n’O. O que me impede hoje de seguir Jesus? Que redes, postos de cobrança ou outros ídolos me impedem de O seguir?

2.     A Graça baptismal – a aventura da iniciação cristã
Este encontro amoroso entre Deus e o homem prolonga-se na história de cada um de nós. Hoje é no sacramento do Baptismo que começa a história de amor entre Deus e cada um de nós. É neste sacramento que nasce a vocação primordial dos cristãos: a vocação à santidade que radica na nova condição de sermos filhos de Deus. No início do seu Evangelho, São João afirma: “[O Verbo] veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram de laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus” (Jo 1, 11-13).
No sacramento do Baptismo conhecemos uma nova criação e iniciamos um caminho que só termina no Céu. O Baptismo configura-nos com Cristo, enxerta-nos na Páscoa do Senhor e abre-nos a porta aos outros sacramentos, sinais da misericórdia de Deus que nos marca com o seu braço forte. O Santo Padre esclarece: “O sacramento do Baptismo, pelo qual somos configurados a Cristo, incorporados na Igreja e feitos filhos de Deus, constitui a porta de acesso a todos os sacramentos; através dele, somos inseridos no Corpo de Cristo, povo sacerdotal” (Papa Bento XVI, Exortação Apostólica pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, 17).
O Baptismo marca a adesão a Cristo e prepara-nos para acolher o Espírito Santo, dom de Deus, que se digna descer sobre cada um de nós no sacramento do Crisma. Lavado pela água do Baptismo, perfumado com o óleo do Crisma que me dá a força que vem do Alto, sou convidado a participar no Banquete da Eucaristia, memorial da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Alimentado pela Eucaristia deixo que Deus viva em mim e, com a força do Espírito Santo, sou enviado em missão, chamado a testemunhar com alegria as maravilhas de Deus que nunca abandona o seu povo. A Eucaristia alimenta-me do próprio Cristo e, pela graça do sacramento, sou convidado a trazer a experiência da Páscoa para a minha vida concreta.
No Baptismo recebemos a graça sacramental que nos identifica com Cristo e nos convida a viver na intimidade com Ele, fazendo a experiência da Páscoa, do Homem Novo, restaurado pelo mistério Pascal de Jesus Cristo. Na Efusão do Espírito Santo, a Igreja vem em nossa ajuda e revigora-nos na intenção de vivermos a graça baptismal, revigora-nos porque na força do Espírito Santo nos leva a Jesus e ao mistério do seu amor derramado em nossos corações (Cf. Rom 5, 5).

a) O que tenho feito da graça recebida nos sacramentos da iniciação cristã?
b) Que relação tenho com a Eucaristia? Deixo-me transformar pela Páscoa de Jesus em cada Eucaristia que participo?
c) A Efusão do Espírito Santo tem-me ajudado a fazer a experiência do discípulo de Jesus? Como?
d) Como crescer na intimidade com Jesus Cristo e por a render os talentos que me concedeu nos sacramentos da iniciação cristã e na efusão do Espírito Santo?

3.     O Sermão da Montanha
Nos capítulos 5 a 7 do Evangelho de São Mateus, Jesus prega o longo sermão da montanha. Seguir Jesus Cristo é fazer a experiência do homem novo plasmada neste longo sermão. Acolhida com generosidade e autenticidade, esta Palavra tem o poder de nos transformar; ela cumpre-se em nós se vivermos na intimidade com o Mestre e por isso somos convidados a pedir diariamente o auxílio do Espírito Santo para que esta boa nova se cumpra em nós.
 “O Sermão da Montanha, apresentado por São Mateus, como o discurso inaugural da nova Lei do Reino, reúne diversas sentenças de Jesus nas quais se trata da nova justiça cristã. Ao texto das bem-aventuranças (Mt, 5, 3-12), que serve de exórdio, seguem-se três partes: I) a justiça perfeita (Mt 5, 13-48); II) as boas obras (Mt 6, 1-18); III) três admoestações (Mt 7, 1-27). Trata-se de um apelo de Jesus, em confronto com a Antiga Aliança, a quem deseja segui-lo” (nota da Bíblia dos Capuchinhos ao capítulo 5 do Evangelho de São Mateus).
O coração da primeira parte consiste no amor aos inimigos (Mt 5, 43-48). O amor aos inimigos é constitutivo da experiência cristã e por isso também da experiência do discípulo. É afinal a experiência de Jesus que, suspenso na cruz, não amaldiçoou os seus inimigos, pelo contrário, pediu perdão por eles e também por eles derramou o seu sangue. Jesus afirma com clareza: “orai pelos vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no céu” (Mt 5, 44-45).
Só unidos ao Pai que está no céu podemos entrar nesta Palavra e por isso, no capítulo 6, Jesus ensina-nos a entrar nesta intimidade com Deus através da esmola (Mt 6, 1-4), da oração (Mt 6, 5-15), do jejum (Mt 6, 16-17) e da confiança absoluta na providência divina (Mt 6, 25-34).
Por fim, na terceira parte do sermão da montanha, Jesus convida-nos a não julgar os outros, a fazer da “regra de ouro” um caminho seguro no discipulado, a edificar a casa sobre a rocha e a cumprir a vontade do Pai porque “nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu”. (Mt 7, 21).
Neste trimestre seria bom se, individualmente e em grupo, nos debruçássemos sobre o Sermão da Montanha. Sabendo que nela está a imagem do Homem Novo, o discípulo de Jesus, pergunto-me, mais uma vez, individualmente e na partilha do grupo de oração:

a) Como tenho experimentado o amor aos inimigos? Olhando para o concreto da minha vida (os inimigos são todos aqueles que contristam a minha vontade, que não são como eu quero que sejam).
b) Como tenho usado as armas que a Igreja me oferece? A oração, a esmola e o jejum têm-me aproximado de Deus e da sua vontade? Como crescer na amizade com Jesus e no desejo de o seguir?
c) Tenho edificado sobre a Rocha firme que é Cristo ou os alicerces da minha vida estão nos bens materiais, na afectividade, na carreira, nos ídolos…?

4.     A radicalidade do discipulado. A loucura da cruz
Depois de escolher os Doze e, antes de os enviar em missão, Jesus alerta-os para as tribulações e perseguições a que estariam sujeitos, convidando-os a fazer a experiência do abandono radical à vontade do Pai. É neste contexto que Jesus dá uma palavra importante aos seus discípulos e a nós hoje. Convidando-os a nada temer, Jesus afirma, “o discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo como o Senhor (Mt 10, 24-25).
Nós somos discípulos de Jesus, o Crucificado, o Sim incarnado à vontade do Pai. Fazer a experiência do discípulo é, por isso mesmo, entrar na cruz com a certeza do amor do Pai, um salto na providência de Deus que conduz a nossa história e que teima em salvar-nos. A catequese do mundo procura, por todos os meios, esconder a cruz através da alienação dos ídolos. Basta ligar a TV para ver como a publicidade, por vários meios, nos seduz pela procura da felicidade nos bens materiais, no bem estar, no culto da beleza e do corpo, etc. Trata-se de uma felicidade passageira, efémera, que não nos sacia profundamente o desejo de felicidade.
O homem foi criado por Deus e para Deus e, por isso mesmo, como diz Santo Agostinho, o “meu coração só encontra a verdadeira felicidade quando repousar em Deus” e na sua vontade, claro está. Por isso, a experiência da cruz é a porta que nos conduz ao verdadeiro Deus. É na vontade de Deus para a nossa vida que fazemos a experiência radical do discípulo que se deixa conduzir pelo Espírito Santo à Terra prometida pelo Senhor. Hoje sabemos que essa terra tem um Rosto, trata-se da comunhão plena com Deus no seu próprio coração.
No Evangelho de São Lucas, na longa subida para Jerusalém, Jesus anuncia, pela primeira vez aos seus discípulos, a sua paixão. Os discípulos, que ainda pensavam que Jesus tinha vindo para restaurar o glorioso reino de David e Salomão, à maneira humana, reagiram mal a este anúncio. É neste contexto que Jesus lhes diz muito claramente: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. Pois, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-la. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo?” (Lc 9, 23-25). É uma Palavra dura de ouvir porque nos convida a tomar a cruz para seguir Jesus. Tomar a cruz significa aceitar a vontade de Deus em cada dia, aceitar os irmãos como eles são e não como eu gostaria que fossem, fazer da minha vida um hino das bem-aventuranças, acreditando que há uma recompensa à minha espera, a comunhão plena e feliz com a Santíssima Trindade.
A Cruz é por isso o sinal do cristão. Não apenas como adorno mas como a possibilidade que Deus me dá de fazer a experiência do êxodo, de partir da terra da escravidão (o meu pecado, os meus ídolos, etc.) para a terra da promessa (a beatitude, o encontro final com Deus no seu Reino).
E como posso eu tomar a cruz todos os dias? Mais uma vez a Palavra de Jesus é muito clara: “Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim. Aquele que conservar a vida para si, há-de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim, há-de salvá-la”. (Mt 10, 37-39). Como é que eu me situo diante desta Palavra de salvação? Quero receber a recompensa que Jesus prometeu aos seus discípulos? A determinada altura do Evangelho, Pedro vai ter com Jesus e diz-lhe: “vede que deixamos tudo para te seguir!” e Jesus responde a Pedro e inclui-nos também nesta Palavra: “No dia da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do Homem se sentar no seu trono de glória, vós, que me seguistes, haveis de sentar-vos em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna. Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros”. (Mt 19, 28-30). Ainda corro para ser o primeiro ou já percebi que na lógica de Jesus os critérios são radicalmente outros?
Deixo que esta Palavra faça eco na minha vida e na vida dos membros do grupo de oração. Como é que o Espírito Santo me tem renovado por dentro para poder acolher esta Palavra? Sei que esta Palavra é exigente mas ela é Palavra de Salvação! Como é que o Espírito Santo de Deus me tem ajudado a ser verdadeiro discípulo de Jesus? O que tenho de deixar para seguir Jesus mais de perto e com mais verdade?

5.     A participação na glória
São Paulo diz-nos que “Jesus Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1Cor 15, 20). Isto significa que Jesus Cristo foi preparar um lugar para nós junto do Pai. Seguir Jesus de perto permite-nos esperar a recompensa que está preparada para os filhos, os santos, a comunhão plena e feliz com Deus. É por isso que acreditamos que fomos criados para a glória porque Jesus Cristo glorificado pela sua obediência ao Pai, no mistério da sua Páscoa, abriu-nos definitivamente a porta do Céu. Viver a comunhão com Jesus Cristo, neste mundo, significa viver unido a Ele. O Espírito Santo que nos foi dado no dia do nosso baptismo atrai-nos constantemente para Ele, convida-nos a viver como Ele, com Ele e para Ele.
São Paulo, na Carta aos Filipenses, convida-nos a ter os mesmos sentimentos de Cristo, lembrando-nos que a glorificação do Mestre é fruto da sua humildade e da oferta total da sua vida ao Pai. Este hino de São Paulo é precioso porque nos recorda a glória prometida se entrarmos neste caminho de Cristo, o caminho da Cruz. Escutemos São Paulo: “Se tem algum valor uma exortação em nome de Cristo, ou um conforto afectuoso, ou uma solidariedade no Espírito, ou algum afecto e compaixão, então fazei com que seja completa a minha alegria: procurai ter os mesmos sentimentos, assumindo o mesmo amor, unidos numa só alma, tendo um só sentimento; nada façais por ambição, nem por vaidade; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros. Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Tornando-se semelhante aos homens e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem, rebaixou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte
e morte de cruz. Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome, para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra; e toda a língua proclame:"Jesus Cristo é o Senhor!", para glória de Deus Pai”. (Fl 2, 1-11).
Estou disposto a acolher o dom de Deus que chega até mim pela cruz? Estou disposto a acolher a vida eterna que Deus tem para me oferecer, através de uma conversão profunda, de uma transformação radical, de um novo modo de vida?
Mas, pode ainda perguntar, como é que eu posso viver neste caminho de Jesus? O que tenho de fazer? Escutemos o próprio Jesus que nos fala do juízo final e coloquemo-nos diante desta Palavra com verdade e simplicidade:
 “Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’ Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 31-40).
Janeiro de 2012
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Para acesso ao som (ensinamento, testemunho e homilia) e reportagem fotográfica,

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