No grande presépio do mundo
Esta noite traz-nos a notícia do nascimento de Jesus e de como aconteceu.
Relembremos: «Enquanto ali se encontravam – José e Maria em Belém –
chegou o dia de ela dar à luz, e teve o seu filho primogénito.
Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar
para eles na hospedaria».
Impressiona
o facto de já termos ouvido tantas vezes este trecho e sempre nos
trazer algo de novo. É como se ainda não tivéssemos extraído dele tudo
quanto oferece, à meditação e à vida de nós todos. E assim é realmente,
como acontece aliás com tudo o que a Jesus diz respeito e à nossa vida
com Ele.
Por isso estamos aqui e
assim estão inumeráveis crentes por esse mundo além, quer se possam
reunir em belos templos, quer em recintos mais precários, ou mesmo
escondidos de perseguições, que infelizmente não faltam nalgumas
latitudes.
É surpreendente a
força agregadora do Natal de Cristo. E exatamente na verdade do que
aconteceu, que acaba por se impor e até sobrepor a tudo o que o queira
distorcer ou apagar, seja em excesso consumista e decorativo, seja em
laicismo desmemoriado e espúrio.
O
Natal vence porque nos convence com a verdade de Deus como se apresenta
no mundo, na simplicidade do presépio e precisamente como foi, sem
distração nem disfarce. É uma lição também, a reaprender sem cessar. Foi
assim que os Anjos a apresentaram aos pastores e é assim que a devemos
aprender e transmitir.
«Isto
vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em
panos e deitado numa manjedoura». Sinal para eles e sinal para nós. Um
menino envolto em panos, que já anunciavam os que o envolveriam na
sepultura, porque daria a sua vida por nós. E deitado numa manjedoura,
cujas tábuas prefiguravam as da cruz. Na verdade, veio preencher as
nossas vidas com a sua, do nascimento à morte, por frágeis e custosas
que sejam. É sempre o “Emanuel”, que significa Deus connosco e onde mais
precisamos de ser acompanhados.
Só
assim nos salvaria onde temos de ser salvos – e assim aconteceu
plenamente. Conclusões destas são próprias da meditação cristã, como o
evangelista já fazia e nós continuamos a fazer, qual «pai de família,
que tira coisas novas e velhas do seu tesouro» (Mt 13, 52).
Como
hoje aqui, neste Natal do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de
2021. Teremos feito algum presépio nas nossas casas, sobretudo com as
suas figuras centrais: Jesus, Maria e José. Olhemo-las bem e deixemos
que elas nos olhem a nós.
Mais
além dos presépios que fazemos com imagens simples ou trabalhadas,
podemos e devemos fazê-los com figuras em que Jesus se apresenta ao vivo e no que nos pede agora, em tantos lugares deste mundo.
Partilho alguns deles, que se juntam a tantos outros, casa a casa, situação a situação. Apenas alguns, de especial clareza:
É
o caso de um grupo que desde há anos “faz presépio” com pessoas sem -
abrigo. Começou quando uma religiosa reparou em muitas delas, num jardim
da cidade. Com alguns amigos, começou a servir-lhes refeições. Depois,
num autocarro cedido e transformado, manteve um posto de primeiros
socorros e atendimento para pessoas nessa situação. Seguiram-se as
equipas de voluntários que, noite após noite, levaram e continuam a
levar-lhes alimentos, em vários pontos da cidade. Aos que aceitam um
caminho de recuperação, oferecem a possibilidade de a fazer nalguns
centros que fundaram e conseguem manter com os meios pessoais e
materiais que vão obtendo. E assim continuaram, mesmo em tempo de
pandemia. Podemos dizer que fazem presépio de verdade e de cada ano um
Natal inteiro.
Outro presépio
vivo surgiu também há alguns anos, para casos em que as mães não têm
possibilidade de cuidar de filhos que nascem com graves dificuldades
psicofísicas. Algumas pessoas, com especial sensibilidade e grande
determinação, levaram por diante uma resposta solidária e capaz a tais
situações. Com os recursos possíveis, que advêm sobretudo do grande
coração com que se entregam à causa, já conseguiram acompanhar meio
milhar de crianças em tais condições, com os recursos humanos e
materiais necessários. Sobretudo com o grande recurso dos seus corações
generosos. Fazem verdadeiramente presépio e deixam-nos entrever o mais
que acontecerá se iniciativas congéneres aparecerem.
Pude
ver outro presépio numa unidade de cuidados paliativos. Foi o caso de
um professor de música, de meia-idade, que ali preenchia criativamente o
último tempo que sabia restar-lhe. Sendo devidamente acompanhado e
assistido, queria terminar uns apontamentos que prometera aos alunos e
preparava um último encontro dos seus amigos, a realizar mesmo que não
pudesse estar entre eles. Bastava-lhe que eles estivessem por perto. –
Que bom será quando a generalização destes cuidados nos transformar em
sociedade paliativa, para todos os momentos da vida de cada um e sem
obviar os derradeiros! Uma sociedade – presépio, a construir agora.
Mais
natalício ainda, outro caso na mesma unidade. Uma jovem mãe ali
assistida, consciente de que pouco mais estaria neste mundo, quis
batizar a sua bebé. Assim foi, com pleno consentimento do seu marido.
Celebração simples, de grande serenidade, envolvimento e ternura:
Matrimónio cristão dos pais e batizado da filha, na capela do hospital.
Estavam também alguns familiares, além de médicas, enfermeiras e
auxiliares. Fez-se verdadeiramente presépio e sentiu-se a paz de Belém.
Como cristãos, acreditamos que tudo isto é “religioso”, porque nos religa a Deus, presente nos outros
e tão frágil como nasceu em Jesus. Neste Natal de todos os dias,
ouvimo-Lo nas Escrituras, recebemo-Lo nos Sacramentos, adoramo-Lo diante
da Hóstia consagrada e servimo-Lo nos outros, em especial os mais
pobres, de todas as pobrezas que sejam. Várias estarão bem perto e
algumas até nas nossas casas…
Na
verdade, “fazer Natal todos os dias” depende só de nós. Da parte de
Deus, o presépio está montado e à nossa espera. - É o nosso lugar, no
grande presépio do mundo!
Sé de Lisboa, 25 de dezembro de 2021
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Sem comentários:
Enviar um comentário