26 fevereiro 2022

Ucrânia, o núncio em Kiev: é difícil conseguir ajuda, nós confiamos em Deus

 
  Ucrânia. Imagem sacra, símbolo de esperança na guerra  (ANSA) 
 
O arcebispo Visvaldas Kulbokas está na nunciatura da capital ucraniana, onde compartilha o destino dos milhões de civis que procuram abrigo, da batalha que se desencadeou na cidade: "como será que as pessoas vão fazer em poucos dias com os doentes e com o alimento, como vão reagir as crianças que sofreram esta violência? Como cristão, tento ajudar a todos a acreditar na fraternidade e no respeito dos outros".
 

Alessandro De Carolis – Vatican News

Um prédio atingido por um míssil russo, uma ambulância parada entre veículos blindados. Rodovias por onde passam os tanques e disparam uns contra os outros. A loucura de Kiev, onde há quatro dias o trânsito era irrefreável e as pessoas jantavam em restaurantes, está toda nas imagens desoladas que chegam, às centenas, da frente de guerra aberta pela Rússia na Ucrânia e simboliza o cenário terrível que uma nação inteira vem vivenciando desde quinta-feira. Na tensão dos combates, os civis procuram escapar, descendo para as fundações da cidade ou a pé em direção às fronteiras, puxando uma mala como turistas de um feriado absurdo.

Testemunha direta do que está a ocorrer em Kiev é o núncio apostólico, arcebispo Visvaldas Kulbokas, cujo destino, e o dos seus colaboradores, não é diferente daquele vivido por milhões dos seus concidadãos. O prelado contou à média do Vaticano o que ele viu.

Excelência, estamos a testemunhar com grande preocupação e dor o que está a ocorrer na Ucrânia. O senhor está em Kiev, que se tornou o cenário da luta: o que nos pode dizer sobre a situação atual?

Esta é minha principal preocupação: a cidade de Kiev, onde estou e de onde estou a falar, é uma grande cidade, com pouco menos de três milhões de pessoas, e agora, nestes dias, está completamente paralisada pela ação de guerra. Além dos mísseis que passam e das pessoas que se escondem o melhor que podem nos porões e estações de metro, a pergunta que me vem à cabeça é: o que os doentes estão a fazer? Os doentes de qualquer tipo de doença, porque é difícil moverem-se, é difícil locomoverem-se, encontrar cuidados... Como estão a viver?

As notícias que chegam do país retratam a imagem de uma cidade fantasma, onde além dos cuidados com a saúde, agora é difícil conseguir água e comida...

Sim, sabendo que dias difíceis estavam a aproximar-se, todos tentaram armanezar um pouco de comida, mas isso vai durar alguns dias e assim surge a pergunta: o que acontecerá se esta situação continuar por vários dias? O que restará para comer? Porque agora não há como abastecer, e é arriscado ficar nos apartamentos, nos quartos, é difícil ficar nas áreas comuns... Até nós, na nunciatura, tentamos ficar nos andares inferiores onde há menos risco de sermos atingidos. E assim é ainda mais difícil ir lá fora e encontrar algumas lojas abertas, mas não me parece que estejam abertas ou que sejam capazes de se abastecer, porque até mesmo as estradas estão bloqueadas... O que vai acontecer em poucos dias, é uma pergunta muito grande.

Vemos fotos e vídeos de pessoas que se refugiaram em porões, em túneis do metro, especialmente muitas mulheres e crianças, que certamente não entendem o que de repente desestabilizou as suas vidas...

Esta é outra grande questão. Como nós, os adultos..., que preparação damos às crianças? Porque talvez um adulto passe pelo sofrimento, mas uma criança... Já conheci pessoas em Itália e noutros países europeus que cresceram durante a Segunda Guerra Mundial: quanto sofrimento ainda passam hoje... Estava esta manhã a pensar nas crianças de Kiev: quando crescerem, que tipo de atitude terão em relação aos outros, tendo vivido os primeiros dias, os primeiros meses, os primeiros anos de suas vidas sob tiros, sob mísseis? Esta é outra questão muito importante...

Como estão todos na nunciatura?

Na nunciatura, sabemos que estamos numa área residencial e, portanto, não estamos imediatamente expostos nas principais artérias da cidade. Entretanto, pode-se ouvir os mísseis a passar, pode-se ouvir as explosões - mesmo ontem à noite - as batalhas nas proximidades... Nós também, os funcionários da nunciatura, estamos nos andares inferiores prontos para nos refugiarmos no porão, caso vejamos ser necessidade imediata. Mas rezamos: rezamos por nós mesmos, pelos outros, rezamos pela paz, rezamos pela conversão de todos.

Que apelo o senhor sente necessidade de fazer?

Mais do que um apelo, eu coloco a questão diante de Deus: o que o eterno Deus me diz nesta situação? O que devo fazer comigo mesmo? E como cristão, entendo que nada acontece que esteja escondido do Senhor Jesus e que mesmo numa situação tão pesada a minha vocação é procurar minha própria conversão, mas também tentar ajudar os outros. "Outros" significa "todos": converterem-se e garantir que não apenas a paz seja encontrada, mas a fraternidade, o respeito uns pelos outros.

A Igreja reza pela paz na Ucrânia e o fará de maneira especial no dia 2 de março, como solicitado pelo Papa Francisco. Um momento ao qual imaginamos que os senhores estarão fortemente unidos...

Para nós, 2 de março ainda é muito distante, temos que chegar lá. Rezamos sempre pela paz, porque é também um momento que nos inspira, porque provoca esta oração intensa, de entrega ao Senhor, de entrega à Virgem Maria, a Mãe de todos: a Mãe de todos, não apenas da Igreja dos Cristãos. Como cristãos, sabemos que os muçulmanos têm um grande respeito pela Virgem Maria, portanto, unamos as nossas orações também às deles, para que a Virgem Maria possa interceder por todos nós.

VN

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