19 junho 2021

Palavras conclusivas do Sínodo Diocesano de Lisboa

 

 
 

Concluímos o Sínodo Diocesano de Lisboa (2014-2021), em que quisemos corresponder ao apelo do Papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium: «Na sua missão de promover uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, deverá [o Bispo] estimular e procurar o amadurecimento dos organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canónico e de outras formas de diálogo pastoral […]. Mas o objetivo destes processos participativos não há de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho missionário de chegar a todos» (nº 31). 

Na sua exortação inaugural, o Papa pediu-nos uma verdadeira “conversão”, que nos faça reencontrar sempre mais como Igreja em saída missionária. Em Cristo e no Espírito de Cristo, saímos de nós para o Pai, em louvor, e para o mundo, em testemunho evangélico. É a nossa marca identitária, como Povo de Deus que só assim se define e caminha. Aliás, nada nos pode unir tanto como a missão comum. Creio que estes sete anos sinodais nos ajudaram a compreendê-lo ainda melhor.
Foi assim que dedicámos cinco trimestres à sequência dos capítulos da Evangelii Gaudium. Foram milhares os diocesanos que participaram em encontros e grupos sinodais e muitas as reflexões e sugestões que compartilharam. Foram depois reunidas no documento que serviu de base à assembleia de novembro-dezembro de 2016, quando também comemorámos a qualificação pastoral “patriarcal” de Lisboa, igualmente evocada em sentido missionário. Tudo isto confluiu na Constituição Sinodal de Lisboa.
Prosseguimos com a sua receção sistemática, em torno de quatro números axiais, sobre a Palavra de Deus onde nasce a fé, a Liturgia que nos faz encontrar com Deus e os outros, a Caridade que centraliza as periferias e a relação fraterna e corresponsável que há de caraterizar a comunidade cristã.
Agradeço vivamente ao Cónego Rui Pedro e a quantos com ele colaboraram no Secretariado do Sínodo Diocesano, pelo excelente trabalho feito em todo o percurso de receção e avaliação. Além dos departamentos diocesanos a que cada ano mais se referiu, destaco os Padres Tiago Neto, Ricardo Figueiredo e Bernardo Trocado, além do Diácono António Matos. Também o apoio técnico dos seminaristas Afonso Sousa, Diogo Tomás e Pedro Sousa. E o Departamento de Comunicação do Patriarcado, com o Padre Nuno Fernandes, o Filipe Teixeira e o Diogo Paiva Brandão – sem esquecer a Agência Ecclesia. Muito obrigado a todos! Saibamos dar continuação ao que melhor resultou, com o hábito reforçado de trabalharmos juntos, na projeção missionária que há de ser sempre a nossa.

O Evangelho que ouviremos neste Domingo
ilustra-nos bem como estamos e sobretudo com Quem estamos. No mar deste mundo, na barca da Igreja, nos sobressaltos da navegação e só em Cristo assegurados. 
No mar deste mundo, interior e exterior a cada um de nós, que tanto atrai e extasia como ameaça e interrompe normalidades e expetativas. Assim vogamos, inevitavelmente, e só por engano ou descaso pensaremos o contrário. Nenhum seguro de vida é bastante - pessoal, social ou mesmo eclesial que fosse. Nenhuma garantia humana chegaria, dada a fragilidade essencial das coisas – como a atual crise pandémica mais uma vez manifesta. 
Assim estavam os discípulos naquela barca invadida pelas ondas alterosas. Jesus tinha-os mandado avançar para “a outra margem do lago”, como sempre nos envia para além donde estamos, física ou mentalmente falando. Ia com eles, mas adormecera, deixando-os conduzir a barca. Veio a tempestade e instalou-se o pânico. Clamaram por Ele, que amainou a tempestade e lhes repreendeu a pouca fé.
Dificilmente encontraríamos melhor ilustração do que sempre foi a Igreja de Cristo no mundo, “entre alegrias e esperanças, tristezas e angústias” (Gaudium et Spes, 1) que não faltaram nem faltarão, nossas e alheias. Sobretudo, não tivemos nem mantemos outra razão maior para pacificar o coração, continuar o rumo e servir a todos, do que esta de estar sempre connosco Aquele que nos manda prosseguir. Dá-nos ocasião e responsabilidade para conduzir a barca, mas só Ele garante o destino dela, até à “outra margem” que continuamente nos desafia.

O trecho evangélico também ilustra a situação do Patriarcado no que à evangelização diz respeito
. No caminho sinodal evidenciaram-se as diversas situações que encontramos.
Podemos talvez dizer que a barca da Igreja prossegue normalmente nas comunidades estabelecidas, com a ação pastoral respetiva, da pregação à catequese, dos sacramentos ao acompanhamento espiritual dos fiéis, do acolhimento à caridade pessoal e institucional. 
Mas também o mar se agita e levanta, sempre que verificamos que pouco sobra da antiga fé, quando realmente existiu, e quase só como referência sociocultural de sentido fraco ou alterado. Neste caso, já frequente, é preciso oferecer “com novo ardor, novos métodos e novas expressões” o Evangelho de Cristo e a sua inesgotável capacidade criativa.
Entretanto, temos também agora o desafio do primeiro anúncio, para fazermos aqui o que a antiga missão fez e continua a fazer lá longe, oferecendo Cristo a quem o não conhece. Na verdade, contamos com uma centena de nacionalidades residentes, provindas algumas delas de espaços onde a evangelização não chegou, nem localizou a Igreja. Verificamos no Patriarcado aquela situação já enunciada por São João Paulo II na exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa: «Em várias partes da Europa, há necessidade do primeiro anúncio do Evangelho: aumenta o número de pessoas não batizadas, seja pela consistente presença de imigrantes que pertencem a outras religiões, seja também porque famílias de tradição cristã não batizaram os filhos […]. Com efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente cristãos, onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a primeira evangelização. […] Mesmo no “velho” continente existem extensas áreas sociais e culturais onde se torna necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes» (nº 46).

Neste contexto, poderíamos ser tentados a ficar mais por nós
, os crentes, qual último reduto duma falsa segurança; ou a deixarmos crescer o desalento, face a grandes contrastes no campo dos valores e contravalores, por vezes bem longe da moral evangélica. Assim poderia acontecer, mas não sucederá decerto. Não é a primeira vez que em tantos séculos “cristãos” do nosso território a habitualidade eclesial foi interrompida, como naquela tempestade do lago. Entretanto, o essencial resistiu e novos impulsos apareceram, sinais vivos de que o Senhor vai connosco e só com Ele podemos prosseguir. Quando “adormece” é apenas para pôr à prova a nossa fé e abrir espaço para a corresponsabilidade que quer repartir connosco, para a missão de que nos incumbe. 
Assim prosseguiremos como Igreja de Lisboa, cada vez mais polarizados na Jornada Mundial da Juventude, que daqui a dois anos nos trará uma multidão de gente nova, provinda de todo o mundo. O Papa Francisco quer que seja um tempo forte de evangelização, como aliás já está a ser, envolvendo cada vez mais pessoas. Vivamos sempre mais em Evangelho, para o partilharmos depois com tantos que o trarão também. 
Assim nos reforçaram os sete anos sinodais que agora se concluem e projetam para o futuro, na senda missionária que nos define como Igreja de Deus para todos. Sim, há sempre outra margem à nossa espera, em cada geografia territorial, social ou cultural que ao Evangelho se disponha. Com Maria, iremos apressadamente, porque quem ama não demora - É connosco agora, é com Cristo sempre!

 

+ Manuel, Cardeal-Patriarca


Palavras conclusivas do Sínodo Diocesano de Lisboa, I Vésperas do XII Domingo do Tempo Comum, Seminário dos Olivais, 19 de junho de 2021

Patriarcado de Lisboa

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