Concluímos o Sínodo Diocesano de Lisboa (2014-2021), em que quisemos corresponder ao apelo do Papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium: «Na sua missão de promover uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, deverá [o Bispo] estimular e procurar o amadurecimento dos organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canónico e de outras formas de diálogo pastoral […]. Mas o objetivo destes processos participativos não há de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho missionário de chegar a todos» (nº 31).
Na
sua exortação inaugural, o Papa pediu-nos uma verdadeira “conversão”,
que nos faça reencontrar sempre mais como Igreja em saída missionária.
Em Cristo e no Espírito de Cristo, saímos de nós para o Pai, em louvor, e
para o mundo, em testemunho evangélico. É a nossa marca identitária,
como Povo de Deus que só assim se define e caminha. Aliás, nada nos pode
unir tanto como a missão comum. Creio que estes sete anos sinodais nos
ajudaram a compreendê-lo ainda melhor.
Foi assim que dedicámos cinco trimestres à sequência dos capítulos da Evangelii Gaudium.
Foram milhares os diocesanos que participaram em encontros e grupos
sinodais e muitas as reflexões e sugestões que compartilharam. Foram
depois reunidas no documento que serviu de base à assembleia de
novembro-dezembro de 2016, quando também comemorámos a qualificação
pastoral “patriarcal” de Lisboa, igualmente evocada em sentido
missionário. Tudo isto confluiu na Constituição Sinodal de Lisboa.
Prosseguimos
com a sua receção sistemática, em torno de quatro números axiais, sobre
a Palavra de Deus onde nasce a fé, a Liturgia que nos faz encontrar com
Deus e os outros, a Caridade que centraliza as periferias e a relação
fraterna e corresponsável que há de caraterizar a comunidade cristã.
Agradeço
vivamente ao Cónego Rui Pedro e a quantos com ele colaboraram no
Secretariado do Sínodo Diocesano, pelo excelente trabalho feito em todo o
percurso de receção e avaliação. Além dos departamentos diocesanos a
que cada ano mais se referiu, destaco os Padres Tiago Neto, Ricardo
Figueiredo e Bernardo Trocado, além do Diácono António Matos. Também o
apoio técnico dos seminaristas Afonso Sousa, Diogo Tomás e Pedro Sousa. E
o Departamento de Comunicação do Patriarcado, com o Padre Nuno
Fernandes, o Filipe Teixeira e o Diogo Paiva Brandão – sem esquecer a
Agência Ecclesia.
Muito obrigado a todos! Saibamos dar continuação ao que melhor
resultou, com o hábito reforçado de trabalharmos juntos, na projeção
missionária que há de ser sempre a nossa.
O Evangelho que ouviremos neste Domingo
ilustra-nos bem como estamos e sobretudo com Quem estamos. No mar deste
mundo, na barca da Igreja, nos sobressaltos da navegação e só em Cristo
assegurados.
No mar deste
mundo, interior e exterior a cada um de nós, que tanto atrai e extasia
como ameaça e interrompe normalidades e expetativas. Assim vogamos,
inevitavelmente, e só por engano ou descaso pensaremos o contrário.
Nenhum seguro de vida é bastante - pessoal, social ou mesmo eclesial que
fosse. Nenhuma garantia humana chegaria, dada a fragilidade essencial
das coisas – como a atual crise pandémica mais uma vez manifesta.
Assim
estavam os discípulos naquela barca invadida pelas ondas alterosas.
Jesus tinha-os mandado avançar para “a outra margem do lago”, como
sempre nos envia para além donde estamos, física ou mentalmente falando.
Ia com eles, mas adormecera, deixando-os conduzir a barca. Veio a
tempestade e instalou-se o pânico. Clamaram por Ele, que amainou a
tempestade e lhes repreendeu a pouca fé.
Dificilmente
encontraríamos melhor ilustração do que sempre foi a Igreja de Cristo
no mundo, “entre alegrias e esperanças, tristezas e angústias” (Gaudium et Spes,
1) que não faltaram nem faltarão, nossas e alheias. Sobretudo, não
tivemos nem mantemos outra razão maior para pacificar o coração,
continuar o rumo e servir a todos, do que esta de estar sempre connosco
Aquele que nos manda prosseguir. Dá-nos ocasião e responsabilidade para
conduzir a barca, mas só Ele garante o destino dela, até à “outra
margem” que continuamente nos desafia.
O trecho evangélico também ilustra a situação do Patriarcado no que à evangelização diz respeito. No caminho sinodal evidenciaram-se as diversas situações que encontramos.
Podemos
talvez dizer que a barca da Igreja prossegue normalmente nas
comunidades estabelecidas, com a ação pastoral respetiva, da pregação à
catequese, dos sacramentos ao acompanhamento espiritual dos fiéis, do
acolhimento à caridade pessoal e institucional.
Mas
também o mar se agita e levanta, sempre que verificamos que pouco sobra
da antiga fé, quando realmente existiu, e quase só como referência
sociocultural de sentido fraco ou alterado. Neste caso, já frequente, é
preciso oferecer “com novo ardor, novos métodos e novas expressões” o
Evangelho de Cristo e a sua inesgotável capacidade criativa.
Entretanto,
temos também agora o desafio do primeiro anúncio, para fazermos aqui o
que a antiga missão fez e continua a fazer lá longe, oferecendo Cristo a
quem o não conhece. Na verdade, contamos com uma centena de
nacionalidades residentes, provindas algumas delas de espaços onde a
evangelização não chegou, nem localizou a Igreja. Verificamos no
Patriarcado aquela situação já enunciada por São João Paulo II na
exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa:
«Em várias partes da Europa, há necessidade do primeiro anúncio do
Evangelho: aumenta o número de pessoas não batizadas, seja pela
consistente presença de imigrantes que pertencem a outras religiões,
seja também porque famílias de tradição cristã não batizaram os filhos
[…]. Com efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente
cristãos, onde, para além duma nova evangelização, se requer em
determinados casos a primeira evangelização. […] Mesmo no “velho”
continente existem extensas áreas sociais e culturais onde se torna
necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes» (nº 46).
Neste contexto, poderíamos ser tentados a ficar mais por nós,
os crentes, qual último reduto duma falsa segurança; ou a deixarmos
crescer o desalento, face a grandes contrastes no campo dos valores e
contravalores, por vezes bem longe da moral evangélica. Assim poderia
acontecer, mas não sucederá decerto. Não é a primeira vez que em tantos
séculos “cristãos” do nosso território a habitualidade eclesial foi
interrompida, como naquela tempestade do lago. Entretanto, o essencial
resistiu e novos impulsos apareceram, sinais vivos de que o Senhor vai
connosco e só com Ele podemos prosseguir. Quando “adormece” é apenas
para pôr à prova a nossa fé e abrir espaço para a corresponsabilidade
que quer repartir connosco, para a missão de que nos incumbe.
Assim
prosseguiremos como Igreja de Lisboa, cada vez mais polarizados na
Jornada Mundial da Juventude, que daqui a dois anos nos trará uma
multidão de gente nova, provinda de todo o mundo. O Papa Francisco quer
que seja um tempo forte de evangelização, como aliás já está a ser,
envolvendo cada vez mais pessoas. Vivamos sempre mais em Evangelho, para
o partilharmos depois com tantos que o trarão também.
Assim
nos reforçaram os sete anos sinodais que agora se concluem e projetam
para o futuro, na senda missionária que nos define como Igreja de Deus
para todos. Sim, há sempre outra margem à nossa espera, em cada
geografia territorial, social ou cultural que ao Evangelho se disponha.
Com Maria, iremos apressadamente, porque quem ama não demora - É
connosco agora, é com Cristo sempre!
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Palavras
conclusivas do Sínodo Diocesano de Lisboa, I Vésperas do XII Domingo do
Tempo Comum, Seminário dos Olivais, 19 de junho de 2021
Patriarcado de Lisboa
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