09 fevereiro 2021

Ser idoso é um presente de Deus

 

 "A velhice: o nosso futuro" é o título do documento da Pontificia Academia para a Vida 
 
 
Foi apresentado, nesta terça-feira, o documento da Pontifícia Academia para a Vida sobre a condição da “terceira idade” depois da pandemia.

Davide Dionisi/Mariangela Jaguraba – Vatican News

“A velhice: o nosso futuro. A condição dos idosos depois da pandemia.” Este é o título do documento publicado, nesta terça-feira (09/02), com o qual a Pontifícia Academia para a Vida (PAV), de acordo com o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, propõe uma reflexão sobre os ensinamentos a serem extraídos da tragédia causada pela difusão da Covid-19, sobre as suas consequências para hoje e para o futuro próximo das nossas sociedades.

Repensar o modelo de desenvolvimento

Ensinamentos que evidenciaram uma dupla consciência: “Por um lado, a interdependência entre todos e, por outro, a presença de fortes desigualdades. Estamos todos à mercê da mesma tempestade, mas num certo sentido, também se pode dizer que estamos a remar em barcos diferentes: os mais frágeis estão a afundar todos os dias. É indispensável repensar o modelo de desenvolvimento de todo o planeta”, afirma o documento, que retoma a reflexão já iniciada com a Nota de 30 de março de 2020 (Pandemia e Fraternidade Universal), prosseguida na Nota de 22 de julho de 2020 (A Humana Communitas na Era da Pandemia. Reflexões desatualizadas sobre o renascimento da vida) e com o documento conjunto com o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (Vacina para todos. Vinte itens para um mundo mais justo e saudável) de 28 de dezembro de 2020. A intenção é “propor o caminho da Igreja, mestra de humanidade, a um mundo transformado pela Covid-19, a mulheres e homens em busca de sentido e esperança para as suas vidas”.

A Covid-19 e os idosos

Durante a primeira onda da pandemia, uma proporção considerável de mortes pela Covid-19 ocorreu nas instituições para idosos, lugares que deveriam proteger a “parte mais frágil da sociedade” e onde a morte atingiu desproporcionalmente mais em relação à casa e ao ambiente familiar. “O que aconteceu durante a Covid-19 impede de descartar a questão com uma busca por bodes expiatórios, por culpados individuais. Por outro lado, é necessário que se levante um coro em defesa dos excelentes resultados daqueles que evitaram o contágio nos asilos. Precisamos de uma nova visão, de um novo paradigma que permita à sociedade cuidar dos idosos”.

Em 2050, dois biliões de pessoas com mais de 60 anos

O documento da PAV evidencia que “do ponto de vista estatístico e sociológico, homens e mulheres têm geralmente hoje uma expectativa de vida mais longa. Esta grande transformação demográfica representa, de facto, um desafio cultural, antropológico e económico”. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, em 2050, haverá dois biliões de pessoas com mais de 60 anos no mundo: uma em cada cinco pessoas será idosa. “Portanto, é essencial tornar as nossas cidades, em lugares inclusivos e acolhedores para os idosos e, em geral, para todas as formas de fragilidade”.

Ser idoso é um presente de Deus

Na nossa sociedade, prevalece muitas vezes a ideia da velhice como uma idade infeliz, sempre entendida apenas como a idade da assistência, da necessidade e das despesas para o tratamento médico. “Ser idoso é um presente de Deus e um enorme recurso, uma conquista a ser salvaguardada com cuidado, mesmo quando a doença se torna incapacitante e surge a necessidade de cuidados integrados e de alta qualidade. É inegável que a pandemia reforçou em todos nós a consciência de que a riqueza dos anos é um tesouro a ser valorizado e protegido”, ressalta o documento.

Um novo modelo para os vulneráveis

Quanto à assistência, a PAV indica um novo modelo especialmente para os mais frágeis inspirado na pessoa, “A implementação deste princípio implica uma intervenção articulada em diferentes níveis, que realiza um cuidado contínuo entre a própria casa e alguns serviços externos, sem cesuras traumáticas, não adequadas à fragilidade do envelhecimento”, especifica o documento, observando que “as casas de repouso devem see requalificadas num contínuo sócio-sanitário, ou seja, oferecer alguns dos seus serviços diretamente nos domicílios dos idosos: hospitalização em casa, cuidando da pessoa individual com respostas de assistentes moduladas nas necessidades pessoais em baixa ou alta intensidade, onde a assistência social e sanitária integrada e o cuidado domiciliar continuam a ser o pivô de um novo e moderno paradigma”. Em substância, espera-se reinventar uma rede mais ampla de solidariedade “não necessariamente e exclusivamente baseada em vínculos de sangue, mas articulada de acordo com as pertenças, amizades, sentimentos comuns, generosidade recíproca na resposta às necessidades dos outros”.

O encontro entre gerações

Quanto ao confronto com os jovens, o documento evoca um “encontro” que possa levar para o tecido social “aquela nova seiva de humanismo que tornaria a sociedade mais solidaria”. Muitas vezes o Papa Francisco exortou os jovens a ficarem perto dos seus avós”, acrescentando que “o homem que envelhece não se aproxima do fim, mas do mistério da eternidade. Para entender isto ele precisa de se aproximar de Deus e viver na relação com Ele. Cuidar da espiritualidade dos idosos, da sua necessidade de intimidade com Cristo e de partilha da fé é uma tarefa de caridade na Igreja”. O documento deixa claro que “é somente graças aos idosos que os jovens podem redescobrir as suas raízes, e é somente graças aos jovens que os idosos recuperam a capacidade de sonhar”.

A fragilidade como magistério

O testemunho que os idosos podem dar através da sua fragilidade também é precioso. “Ele pode ser lido como um magistério, um ensinamento de vida”, observa a reflexão, esclarecendo que “a velhice também deve ser entendida neste horizonte espiritual: é a idade propícia do abandono a Deus. À medida que o corpo enfraquece, a vitalidade psíquica, a memória e a mente diminuem, a dependência da pessoa humana de Deus parece cada vez mais evidente.”

A mudança cultural

Por fim, um apelo: “Toda a sociedade civil, a Igreja e as diversas tradições religiosas, o mundo da cultura, da escola, do voluntariado, do espetáculo, da economia e das comunicações sociais devem sentir a responsabilidade de sugerir e apoiar medidas novas e incisivas, para que seja possível acompanhar e cuidar dos idosos em contextos familiares, nas suas próprias casas e, em todo caso, em ambientes domésticos que mais se assemelham a uma casa do que a um hospital. Esta é uma mudança cultural a ser implementada.”

VN

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