16 abril 2013

1.ª Assembleia Regional do RCC de Lisboa (2013)

Resumo de ensinamento:
 
.G A U D I U M   E T   S P E S.



Notas dispersas 

No dia 14 de abril pp, no âmbito do programa de formação do Renovamento Carismático Católico para os Grupos de Oração da Diocese de Lisboa, teve lugar uma assembleia regional, nas instalações da paróquia da Azambuja que durou o domingo todo. Nela participaram os Grupos de Oração de Azambuja, Ota, Loures e Alverca, havendo-se mantido, no entanto, acessível a todos queles que nela quisessem participar.
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Tendo em conta os objetivos definidos para o Ano da Fé, tivémos a oportunidade de refletir sobre as constituições do Concílio Vaticano II, «Gaudium et Spes» e «Dei Verbum», na sequência de dois ensinamentos conduzidos pelos diáconos João Carmona e Armando Marques
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Como não foi possível e nem é, dentro do limitado tempo de que se dispôs, fazer uma análise aprofundada dos documentos conciliares em causa, produzem-se, a propósito da Gaudium et Spes, algumas notas que ora apresentamos.
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A constituição pastoral «Gaudium et Spes» (Alegria e Esperança), ao longo do texto designada pelas iniciais «GS» vai celebrar  o seu  quinquagésimo aniversário em dezembro de 2015, pois foi promulgada por Paulo VI em 7 de dezembro de 1965. Acontece que o esforço para a sua elaboração e consequente aprovação deveu-se especialmente a uma interpelação do Cardeal Suenens, logo no início da primeira sessão conciliar e também e sobretudo ao esforço e empenho do Cardeal Montini, mais tarde o papa Paulo VI que a promulgou.
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Aliás e logo a seguir, na mensagem de Natal desse longínquo ano de 1965, Paulo VI afirmou com bastante emotividade, referindo-se à «Gaudium et Spes» o seguinte: «O encontro da Igreja com o mundo atual foi descrito em páginas admiráveis na última constituição do Concílio. Toda a pessoa inteligente, toda a alma honrada deve conhecer essas páginas. Elas levam, sim, de novo a Igreja ao meio da vida contemporânea, mas não para  dominar a sociedade, nem para dificultar o autónomo e honesto desenvolvimento da sua actividade, mas para ilumina-la, sustenta-la e consola-la. Essas páginas assinalam, assim o  pensamos, o ponto de encontro entre Cristo e o homem moderno e  constituem a mensagem de natal deste ano (1965) de graça ao mundo contemporâneo», dizia Paulo VI.

Estas palavras de Paulo VI traduzem bem as preocupações dos padres conciliares que queriam dar relevo às relações entre a Igreja Católica e o mundo. Estava-se perante uma nova etapa de aprofundamento da identidade da Igreja, através da consciência da necessidade de renovação dos caminhos por meio dos quais ela se sentia chamada a realizar a sua missão no mundo. 

Por outro lado havia também a preocupação que o mundo soubesse que a Igreja olha para ele com profunda compreensão e admiração e com o propósito sincero, não de o conquistar, mas de o servir, não de o desprezar mas de o valorizar, não de o condenar mas de o confortar e salvar. Era importante inaugurar uma teologia que reconhecesse o mundo como uma realidade boa à luz de Deus criador e salvador e não um lugar de perdição ou então um inimigo da alma como até ali o defendia uma certa catequese tradicional.
 
O mundo moderno 

A novidade do Concílio Vaticano II e consequentemente da GS foi a sua abertura ao mundo e aos seus problemas. Era imperioso que a Igreja se debruçasse sobre o fenómeno estranho de nunca ter havido tanta riqueza, no mundo, devido aos avanços tecnológicos, e apesar de tudo haver tanta gente com fome.

Por outro lado o teocentrismo da Idade Média deu lugar ao antropocentrismo dos tempos modernos. O homem quer passar a ocupar o lugar de Deus e daí que a Fé e Razão passassem a entrar em conflito ou pelo menos em grande tensão. A Igreja e comunidade científica fazem uma convivência muito difícil.
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Mas cedo porém se deu conta que os problemas decorrentes desse antropocentrismo empurraram a sociedade para duas grandes guerras, a de 1914-1918 e a de 1939-1945. A gaudium et Spes propôs-se a descobrir o que tinha falhado. De um lado põe a descoberto as contradições e assimetrias do mundo de hoje e por outro as aspirações e esperanças do homem enquanto imagem e semelhança de Deus. A este propósito, posteriormente, João Paulo II, no contexto de uma visita ao México, veio chamar a atenção de que a má distribuição dos bens produzidos por toda a sociedade faz com que haja «ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres».

São estas algumas das questões que preocuparam os padres conciliares, questões essas que transparecem nas páginas da Gaudium et Spes. Aliás, no seu proémio, diz-se taxativamente: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração».

Só Deus sacia as aspirações do coração humano. 

Quanto à Igreja 

A GS tem subjacente uma nova eclesiologia: A Igreja é entendida como o Povo de Deus e não como hierarquia, o que aliás já tinha ficado definido na constituição Lumen Gentium.

Portanto a GS nasce no terreno da Lumen Gentium donde brota uma nova eclesiologia. Nesta concepção, Cristo é o centro e a cabeça da Igreja e à volta dele somos todos iguais, embora com as mais variadas funções e distintos ministérios.

Em resumo:

A Igreja pela Lumen Gentium e também pelo Decreto Ad Gentes apresenta-se aberta e circular. Circular no que diz respeito à sua organização interna na medida em que somos todos iguais, sem distinção de cor, raça, sexo, cultura, etc. E aberta na medida em que é pelo Batismo que todo o cristão é chamado a ser missionário. 

Perspetiva  profética 

A Gaudium et Spes põe em questão o facto de os grandes progressos económicos de que a sociedade tem usufruído, nos tempos modernos, não tenha conseguido mitigar as desigualdades sociais, antes pelo contrário, tenha levado ao agravamento dessas mesmas desigualdades.

Como se diz no seu número 63: «Enquanto multidões imensas carecem ainda do estritamente necessário, alguns, mesmo nas regiões menos desenvolvidas, vivem na opulência e na dissipação. Coexistem o luxo e a miséria».

Estes desequilíbrios e também a oposição entre as regiões mais desenvolvidas e outras menos desenvolvidas podem pôr em risco a própria paz mundial. E o interessante é que a GS, ainda que promulgada há quase cinquenta anos mantém a sua actualidade nos tempos que correm. 

E a propósito da vida na comunidade política aquele documento revela uma novidade é que todos «os cristãos tenham consciência da sua vocação especial e própria na comunidade política» (GS nº 75). E noutro lugar do mesmo número acrescenta: «A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, em serviço dos homens» ( GS nº 75).

No capítulo da paz a GS diz-nos que a paz não é a ausência de guerra ou equilíbrio de forças. Mas diz-nos com toda a exactidão que é obra da justiça (Gs nº 78). Ou como se diz mais adiante a paz terá de ser fundamentada na justiça e no direito.
 
Uma nova perspetiva pastoral 

A Igreja ao tentar concentrar a sua atenção para o mundo moderno, com todos os seus problemas, pretende apenas ajudar todos os homens do nosso tempo, crentes ou não crentes para que conheçam a sua vocação integral. Os padres conciliares procuraram superar uma visão da Igreja predominantemente centrípeta a favor de uma visão de carácter mais centrífugo. A Igreja que até ao Vaticano II permanecia muito debruçada sobre si mesma, especialmente preocupada com os problemas domésticos da doutrina, passa a ter em conta de forma muito empenhada os problemas que afligem a humanidade, empreendendo um esforço gigantesco para acompanhar e se adaptar aos desafios pastorais contemporâneos. Mesmo que tenha ainda de lutar contra as tendências daqueles que ainda persistem na saudade de uma igreja triunfal ou até contra aqueles que persistem em restaurar a velha cristandade.

Como já referiu o Papa Francisco, os pastores têm de estar no meio das suas ovelhas, usando até a metáfora de terem de cheirar a «ovelhas».

A Igreja deve colocar-se ao lado de quem dela precisa, nunca esquecendo as multidões que sobrevivem de um modo cada vez mais precário, tantas vezes sem terra, sem teto, sem saúde e sem escola. A Igreja para estar mais próxima deve, por um lado refontalizar-se no Evangelho e na grande Tradição e por outro redefinir quanto ao mundo numa linha cada vez mais solidária. Por isso apela ao diálogo entre todos os homens para que cooperem na construção do mundo na paz autêntica e verdadeira (GS nº 92). 

Em conclusão: 

Os conceitos e referências que se fizeram ao longo desta  apreciação sumária da Gaudium et Spes apenas tiveram a intenção de despertar o gosto pela leitura e estudo daquela constituição pastoral. Todo aquele que quiser ir mais longe terá de se debruçar sobre o seu texto integral. E se o fizer, irá dar conta que aquele texto ainda que escrito há quase cinquenta anos, continua a dar-nos subsídios preciosos para entender as transformações por que passa a sociedade moderna. E sem dúvida que continuará a fornecer pistas de reflexão para o entendimento e diagnóstico da sociedade «neo-liberal» em que vivemos.

Armando Marques