Revivendo a madrugada pascal
Nesta manhã pascal, onde a Palavra, o rito e mesmo um sobressalto de alma nos despertam tanto,
deixai-me interrogar, ainda assim, se o comentário que acabámos de
ouvir ao Evangelista não poderá aplicar-se um tanto a cada um de nós:
«Na verdade ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus
havia de ressuscitar dos mortos».
Aqueles
discípulos tinham seguido Jesus, ouvido o que dissera e avisara,
aludindo até a antigas profecias… E, no entanto, mesmo diante do túmulo
vazio, ainda não tinham entendido.
Assim
foi com eles. – E agora connosco? Não estamos na mesma situação, com
dois milénios passados e repletos de testemunhos da ressurreição.
Somaram-se, logo a seguir, os primeiros mártires, que ninguém conseguiu
calar, tão forte era a certeza. - Como se entendem eles e os seguintes,
tantos milhares até hoje? – Donde continuam a brotar o apostolado e a
missão, do primeiro anúncio à nova evangelização que progride, aqui ou
ali, com novo ardor, novos métodos e novas expressões?
A
resposta só pode ser a mesma, de há dois milénios para cá: Tudo brota
da ressurreição de Cristo, que dá ao que disse e fez uma atualidade
permanente, universal e criativa. Nada mais o explicaria bastantemente.
Estamos
hoje aqui, como muitos outros por esse mundo além, mesmo em tempo
pandémico, em torno de Alguém vivo e vivificante – e não apenas em
memória de algum falecido ilustre, a quem a “lei da morte”, que é o
esquecimento, já teria atingido.
Sim,
temos razão sobeja para entender melhor a ressurreição de Cristo; mais
até do que as personagens do primeiro embate e naquela altura. A
meditação cristã tem-nos feito ver a coincidência absoluta com as
antigas profecias e a própria aspiração da humanidade em geral.
Mas não é propriamente de compreensão que se trata, como coisa nossa e no habitual critério.
Trata-se precisamente do contrário. Somos nós a ser “compreendidos” por
Deus, digamos assim, na medida em que nos abarca e envolve no último
gesto da sua misericórdia, fazendo-nos viver a ressurreição do seu
Filho.
Disse-o
paradigmaticamente o Apóstolo Paulo, como também ouvimos: «Vós
morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus». E
desenvolveu noutro passo o que lhe acontecera a ele: «Quando aprouve a
Deus – que me escolheu desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua
graça – revelar o seu Filho em mim, para que O anuncie como Evangelho
entre os gentios…» (Gl 1, 15-16). Dizem-nos os entendidos que o
“em mim”, também pode traduzir-se por “a mim”, no sentido objetivo de
tal revelação; mas sublinhando sempre o influxo íntimo e determinante
que teve no Apóstolo e na missão a que se entregou. Só a vida nos faz
viver e só o Ressuscitado nos torna em Evangelho vivo.
Foi
à luz deste facto total que Paulo interpretou e compreendeu tudo o que a
Escritura anunciara e ele bem conhecia, versado que era. É assim também
que nós compreendemos o que nos foi transmitido e a vida acrescentou.
Isto aqui nos trouxe e daqui nos transporta, para oferecer a todos a
Páscoa que vivemos.
Assim
aconteceu com Pedro e com o outro discípulo, quando depois entenderam a
Escritura antiga. Assim será connosco, que não cessaremos de procurar
Aquele que já nos encontrou, como realidade absoluta e a perfazer em
cada um. Vida que poderemos resumir como Paulo também resumiu a sua, num
precioso passo: «Assim posso conhecê-lo a Ele, na força da sua
ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformando-me com
ele na morte, para ver se atinjo a ressurreição de entre os mortos. Não
que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro, para ver se o
alcanço, já que fui alcançado por Jesus Cristo» (Fl 3, 10-12).
Não
acharemos melhor resumo do que seja a nossa vida pascal: Alcançar a
Cristo, que já nos alcançou. Com a urgência que desperta e o testemunho
que irradia.
Reparemos ainda como tudo se apressou naquela madrugada: Correu a Madalena, correram depois Pedro e o outro discípulo.
Tudo
o que se refere a Cristo é movimento. Assim resumiu a sua vida entre
nós: «Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai» (Jo
16, 28). Um percurso terreno, coincidente com o seu percurso eterno,
gerado pelo Pai e a Ele devolvido, na circulação constante do Espirito
que compartilham.
É este
movimento que nos ressuscita agora, com uma pressa de alma que nada tem a
ver com precipitações mundanas. Por isso o Papa Francisco me disse o
que disse, a propósito da Jornada Mundial da Juventude a realizar em
Lisboa: Como Maria a caminho da casa de Isabel, iremos “apressadamente,
mas não ansiosamente”.
Já não
falta muito tempo para realizar a Jornada, com tudo o que há a fazer.
Com as muitas ações em curso e o número crescente nelas envolvidos,
transporta-nos aquela “pressa no ar” que o seu hino vai cantando em
sucessivas línguas. Mas sem precipitação, porque o Cristo que se
manifestará em tão grande encontro é o mesmo que, ressuscitado, nos
acompanha e impele.
Assim será a
Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, no verão de 2023: Um sinal
magnífico da ressurreição de Cristo, oferecido pelos jovens dos cinco
continentes a este mundo que a pandemia afetou. O mundo que precisa de
reviver a madrugada pascal.
Sé de Lisboa, 4 de abril de 2021
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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