27 novembro 2022

O Papa e o Advento: Deus esconde-se nas situações mais comuns da nossa vida

 
 
 
Neste domingo, começa o Advento, tempo litúrgico que nos prepara para o Natal. Francisco recordou no Angelus a "bela promessa que nos introduz no tempo do Advento: «Virá o teu Senhor». Este é o fundamento da nossa esperança, é o que nos sustenta também nos momentos mais difíceis e dolorosos da nossa vida".
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco rezou a oração mariana do Angelus, deste domingo (27/11), com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.

 

Na alocução que precedeu a oração, o Pontífice recordou a "bela promessa que nos introduz no tempo do Advento: «Virá o teu Senhor».

Este é o fundamento da nossa esperança, é o que nos sustenta também nos momentos mais difíceis e dolorosos da nossa vida: Deus vem. Nunca nos esqueçamos disso! O Senhor vem sempre, visita-nos, faz-se próximo, e voltará no fim dos tempos para nos acolher no seu abraço.

O Senhor inspira as nossas ações

A seguir, o Papa fez as seguintes perguntas: "Como vem o Senhor? Como reconhecê-lo e acolhê-lo?" Primeira pergunta: como vem o Senhor?

Segundo Francisco, "muitas vezes ouvimos dizer que o Senhor está presente no nosso caminho, que nos acompanha e nos fala. Mas talvez, distraídos como estamos por tantas coisas, esta verdade permanece para nós apenas teórica, ou imaginamos que o Senhor vem de maneira sensacional, talvez por meio de algum sinal prodigioso. Jesus diz que acontecerá "como nos dias de Noé". E o que faziam nos dias de Noé? Simplesmente as coisas normais e quotidianas da vida: «Comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento»".

Levemos em consideração isso: Deus está escondido na nossa vida, está sempre presente, está escondido nas situações mais comuns e ordinárias da nossa vida. Não vem em eventos extraordinários, mas nas coisas do dia-a-dia. O Senhor vem nas coisas do dia-a-dia, porque Ele está ali, manifesta-se nas coisas de todos os dias. Ele está ali, no nosso trabalho quotidiano, num encontro casual, no rosto de uma pessoa necessitada, mesmo quando enfrentamos dias que parecem cinzentos e monótonos, o Senhor está ali, chama- fala-nos e inspira as nossas ações.

Perceber a presença de Deus na vida cotidiana

Segunda pergunta: como reconhecer e acolher o Senhor? De acordo com o Papa, "devemos estar acordados, atentos, vigilantes. Jesus adverte-nos: existe o perigo de não percebermos a sua vinda e estar despreparados para a sua visita".

Francisco disse que recordou "outras vezes o que Santo Agostinho dizia: "Temo o Senhor que passa", ou seja, temo que Ele passe e eu não o reconheça! De facto, sobre aquelas pessoas do tempo de Noé, Jesus diz que elas comiam e bebiam «e nada perceberam, até que veio o dilúvio, e arrastou todos»".

Prestemos atenção nisto: não perceberam nada! Estavam ocupadas com suas coisas e não perceberam que o dilúvio estava para vir. De facto, Jesus diz que, quando Ele vier, "dois homens estarão a trabalhar no campo: um será levado e o outro deixado". Qual é a diferença? Em que sentido? Simplesmente que um estava vigilante, esperava, capaz de perceber a presença de Deus na vida quotidiana; o outro, por outro lado, estava distraído, "sem compromisso", como se fosse nada, e não percebeu nada.

Deixar-se chacoalhar pelo torpor

"Neste Tempo do Advento deixemo-nos chacoalhar pelo nosso torpor e despertemo-nos do sono", disse o Papa, convidando-nos a fazer as seguintes perguntas: "Estou consciente do que vivo? Estou atento? Estou acordado? Procuro reconhecer a presença de Deus nas situações quotidianas ou estou distraído e um pouco esmagado pelas coisas?"

"Se não percebermos a sua vinda hoje, também estaremos despreparados quando ele vier no fim dos tempos. Irmãos e irmãs, permaneçamos vigilantes! Esperando que o Senhor venha, aproxime-se de nós, porque Ele está aqui, espera. Prestemos atenção! Que a Virgem Santa, Mulher da expetativa, que percebeu a passagem de Deus na vida humilde e escondida de Nazaré e o acolheu no seu ventre, nos ajude neste caminho de estar atentos à espera do Senhor que está no meio de nós e passa", concluiu Francisco.

VN

26 novembro 2022

O ADVENTO - A ESPERA

 
“Bem podes esperar sentado”.

Estava eu a pensar no Advento e vem esta frase ao meu pensamento.

O Advento é, também, um tempo de espera, e por isso esta frase é a antítese do Advento.
E por variadíssimas razões

Esta frase faz subentender que aquele ou aquilo que se espera não vai aparecer ou acontecer.
No Advento a espera é uma certeza do que vai acontecer, porque Aquele que se espera já está entre nós e apenas temos que tomar consciência disso mesmo.

A frase leva-nos a pensar que o melhor modo de esperar é sentado, para não nos cansarmos, porque não vale a pena ir ao encontro do que se espera.
No Advento, pelo contrário, a espera não se faz sentado, nem sequer de pé.
Faz-se caminhando, procurando para encontrar O que se espera, dando as “mãos aos pastores” para ir ao encontro de Quem se espera.

E a frase leva-nos também a pensar que aquela espera é estática, ou seja, nada temos que fazer para que aquele que esperamos ou aquilo que esperamos apareça ou aconteça.
No Advento somos levados a ser activos, a purificar os nossos corações, a nossa vida, a sermos ainda mais uns para os outros, para que Aquele que esperamos seja vida em nós.

A frase pressupõe uma espera solitária, a sós, sem companhia.
No Advento a espera faz-se em Igreja, ou seja, com todos os que esperam como nós, para que, ajudando-nos uns aos outros, encontremos Aquele que se espera e nos alegremos, unidos, com esse encontro.

Na frase percebe-se que aquele que se espera está longe e pode até nem sequer chegar.
No Advento Aquele que se espera já está connosco e mais do que isso, faz caminho connosco e ensina-nos o caminho a fazer para O encontrar, Ele que está sempre disponível para se fazer encontrado.

A frase ainda revela uma certa tristeza, um certo desânimo em relação à concretização da espera.
No Advento a espera é uma constante de ânimo, de alegria serena, porque Aquele que se espera já está entre nós e nos enche de paz, de alegria, de amor.

No Advento podemos então mudar a frase:
Bem podes esperar caminhando, porque Aquele que esperas, já caminha contigo e Ele mesmo se faz encontrado contigo.



Marinha Grande, 26 de Novembro de 2022
Joaquim Mexia Alves

20 novembro 2022

Papa em Asti: Jesus, Rei que nos abraça, mesmo com as nossas misérias

 

 

Na homilia da missa na Catedral de Asti, pela Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, o Papa enfatizou que da cruz Jesus abraça todos, com pobrezas, fragilidades e misérias. Entretanto, pede-nos que o chamemos pelo nome e que sujemos as nossas mãos com ele, não como meros espetadores, mas "envolvidos", com coragem de olhar para nós mesmos e pelos sofrimentos do mundo, "fazendo-nos servos para reinar com Ele".

 

Andressa Collet - Vatican News

O abraço do Papa à comunidade de Asti, no norte da Itália, veio na manhã de domingo (20) na Catedral de Nossa Senhora da Assunção pela Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Após percorrer a cidade e saudar de perto as pessoas a bordo do papa-móvel, Francisco deu início ao seu segundo e último dia na região do Piemonte, terras em que o seu pai emigrou para a Argentina e onde veio "reencontrar o sabor das raízes", disse o Pontífice em homilia, ao fazer referência ao Evangelho de Lucas 23, 35-43 que "nos leva às raízes da fé" encontradas no "terreno árido do Calvário".

O nosso Rei de braços abertos

O Papa, então, convidou a fixar "o nosso olhar n’Ele, no Crucificado", despido na cruz, que ganhou a falsa imagem de realeza através de um letreiro na cruz. Mas, observando Jesus, alertou Francisco, "inverte-se a ideia que temos de um rei", "vemos que é completamente diferente. Não está sentado num trono confortável" e "comporta-Se como servo cravado na cruz pelos poderosos", "despojado de tudo, mas rico de amor":

“Do trono da cruz, já não ensina as multidões com a palavra, nem levanta a mão para ensinar; faz mais: não aponta o dedo contra ninguém, mas abre os braços a todos. Assim Se manifesta o nosso Rei: de braços abertos – a brasa aduerte.”

E só entrando no seu abraço, continuou Francisco, é que compreendemos que Deus Se deixou levar até o paradoxo da cruz para abraçar tudo em nós: a nossa morte, o nosso sofrimento, as nossas pobrezas, as nossas fragilidades.

"Eis o nosso Rei, Rei do universo, porque atravessou os confins mais remotos do humano, entrou nos buracos negros do ódio e do abandono para iluminar cada vida e abraçar toda a realidade. Irmãos, irmãs, tal é o Rei que hoje festejamos! Não é fácil de entender, mas é o nosso Rei."

Esse é o modelo a seguir e a celebrar, acrescentou o Papa, por isso o convite para, "com frequência", colocarmo-nos diante do Crucificado e dar a possibilidade de "nos deixarmos amar por Ele":

“Mas Senhor, é verdade? Com as minhas misérias, amas-me assim? Cada um neste momento pense na sua própria pobreza: 'Mas, amas-me com estas pobrezas espirituais que eu tenho, com estas limitações?' E Ele sorri e faz-nos perceber que nos ama e deu a Sua vida por mim. Pensemos um pouco sobre as nossas limitações, mesmo as coisas boas, e Ele ama-nos como nós somos, como somos agora.”

"E então compreendemos que não temos um deus desconhecido, lá em cima nos céus, poderoso e distante, não; um Deus próximo, a proximidade é o estilo de Deus: a proximidade, com ternura e misericórdia. Este é o estilo de Deus. Não tem outro estilo. Perto, misericordioso e terno. Terno e compassivo, cujos braços abertos consolam e acariciam. Eis o nosso Rei!"

O contágio letal da indiferença

Depois de termos contemplado Jesus na cruz, questionou o Papa, o que mais podemos fazer? Ser apenas um espetador - aquela grande maioria curiosa e indiferente que só observa e julga ao "assistir ao espetáculo cruento do fim inglorioso de Cristo"; ou quem se aventura e se envolve. O primeiro grupo, alertou o Pontífice, faz parte de uma "onda do mal", que "é contagiosa", feito uma "doença contagiosa" que acaba tornando-nos "cristãos de fachada, que dizem acreditar em Deus e querer a paz, mas não rezam nem cuidam do próximo".

É o contágio letal da indiferença. Uma doença feia é a indiferença, sabe? 'Isto não cabe a mim, não cabe a mim...' indiferença para com Jesus e indiferença também para com os doentes, para com os pobres, para com os miseráveis da terra. Eu gosto de perguntar às pessoas, e peço a cada um de vós; eu sei que cada um de vocês dá esmola aos pobres, e eu pergunto-vos: 'Quando dás esmola aos pobres, olhas nos olhos deles? És capaz de olhar nos olhos deles? Daquele pobre homem ou mulher que te pede esmola? Quando dás  esmola aos pobres, jogas a moeda ao chão ou tocas na mão deles? És capaz de tocar uma miséria humana?' Cada pessoa então faz a resposta hoje. Aquelas pessoas eram indiferentes. Aquelas pessoas falam de Jesus, mas não se sintonizam com Jesus. E esse é o contágio letal da indiferença: que cria distância com a miséria.

A onda do bem dos envolvidos

Entretanto, entre muitos espetadores no território do Calvário, continuou o Papa, há quem se aventura e se envolve. E o Evangelho fala "do bom ladrão para nos convidar a vencer o mal, deixando de ser espetadores. E de onde havemos de começar? Da confidência, de chamar a Deus pelo nome", indicou Francisco, sem maquilhagens:

"Por favor, não façam a espiritualidade de maquilhagem: ela é entediante. Diante de Deus: sabão e água, somente. Sem maquilhagem, a alma como ela é. E dali vem a salvação."

“Irmãos, irmãs, hoje o nosso Rei olha-nos da cruz a brasa aduerte. Cabe a nós escolher, sermos espetadores ou envolvidos. Vemos as crises de hoje, o declínio da fé, a falta de participação... E o que fazemos? Limitamo-nos a fazer teorias, a criticar, ou arregaçamos as mangas, comprometemo-nos na vida, passamos do «se» das desculpas ao «sim» da oração e do serviço? Todos pensamos saber o que está errado na sociedade, no mundo, até na Igreja, mas depois… fazemos alguma coisa? Metemos as mãos na massa, como o nosso Deus pregado no madeiro, ou ficamos a olhar com as mãos nos bolsos?”

 

VN

16 novembro 2022

O Papa: não ter medo da desolação, mas nela encontrar o coração de Cristo

 

 
Na Audiência Geral desta quarta-feira, o Papa retomou as catequeses sobre o discernimento e falou sobre a desolação que "pode ser ocasião de crescimento. A desolação é também um convite à gratuidade, a não agir sempre e unicamente em vista de uma gratificação emocional. Estar desolados oferece-nos a possibilidade de crescer, de começar uma relação mais madura, mais bela, com o Senhor e com os entes queridos, uma relação que não se reduza a uma mera troca de dar e receber". 
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco retomou as catequeses sobre o discernimento na Audiência Geral, desta quarta-feira (16/11), realizada na Praça São Pedro. "Por que estamos desolados" foi o tema deste encontro semanal do Pontífice com os fiéis.

O Santo Padre recordou a importância de "ler o que se move dentro de nós, para não tomar decisões apressadas, na onda da emoção do momento, para depois se arrepender, quando já é demasiado tarde. Neste sentido, o estado espiritual a que chamamos desolação, quando no coração tudo está escuro, triste, pode ser ocasião de crescimento".

Segundo o Papa, "a desolação provoca uma “trepidação da alma”, mantém-nos alertas, favorece a vigilância e a humildade, protegendo-nos contra os ventos do capricho. São condições indispensáveis para o progresso na vida e, portanto, inclusive na vida espiritual".

Inquietação, ímpeto para dar uma reviravolta na própria vida

"Uma serenidade perfeita, mas “asséptica”, sem sentimento, quando se torna o critério de escolhas e comportamentos, torna-nos desumanos", disse Francisco, acrescentando:

Não podemos deixar de prestar atenção aos sentimentos, somos humanos e o sentimento é uma parte da nossa humanidade, e sem entender os sentimentos seremos desumanos, sem viver os sentimentos, seremos indiferentes ao sofrimento dos outros e incapazes de aceitar o nosso. Sem considerar que esta “serenidade perfeita” não se alcança por este caminho da indiferença.

“Distância asséptica: eu não me misturo nas coisas, tomo distância. Isso não é vida, isso é como se vivêssemos num laboratório, fechados para não apanhar um micróbio, uma doença. Para muitos santos e santas, a inquietação foi um ímpeto decisivo para dar uma reviravolta na própria vida. Esta serenidade artificial não é boa, mas sim uma inquietação saudável. Um coração inquieto, que busca o caminho.”

Como "é o caso, por exemplo, de Agostinho de Hipona, Edith Stein, José Benedito Cottolengo e Charles de Foucauld", frisou o Papa, afirmando que "as escolhas importantes têm um preço que a vida apresenta, um preço acessível a todos. As escolhas importantes não vêm da lotaria, elas têm um preço e tens de pagar aquele preço. É um preço que pagas com o coração, um preço da decisão, um preço a ser levado adiante, com um pouco de esforço, mas não é grátis. É um preço que está ao alcance de todos. Todos temos que pagar esta decisão para sair do estado de indiferença que nos põe para baixo".

A desolação é também um convite à gratuidade

A desolação é também um convite à gratuidade, a não agir sempre e unicamente em vista de uma gratificação emocional. Estar desolados oferece-nos a possibilidade de crescer, de começar uma relação mais madura, mais bela, com o Senhor e com os entes queridos, uma relação que não se reduza a uma mera troca de dar e receber. Pensemos na nossa infância. Quando se é criança, procura-se com frequência os pais para obter algo deles, um brinquedo, dinheiro para comprar um sorvete, uma autorização. E assim os procuramos não por eles mesmos, mas por um interesse. No entanto, o maior dom são eles, os pais, e compreendemos isso na medida em que crescemos.

Segundo o Papa, "até muitas das nossas orações são um pouco desse tipo, são pedidos de favores dirigidos ao Senhor, sem um verdadeiro interesse por Ele. O Evangelho observa que Jesus vivia frequentemente circundado por muitas pessoas que o procuravam para obter algo, curas, ajudas materiais, mas não simplesmente para estar com Ele. Era pressionado pelas multidões e, contudo, estava sozinho. Alguns santos, e até certos artistas, meditaram sobre esta condição de Jesus. Poderia parecer estranho, irreal, perguntar ao Senhor: “Como estás?” No entanto, é um modo muito bonito de entrar numa relação verdadeira, sincera, com a sua humanidade, com o seu sofrimento, até com a sua singular solidão. Com Ele, que quis partilhar até ao fundo a sua vida connosco".

Levar adiante a desolação com perseverança

Segundo o Papa, faz-nos bem "aprender a estar com Ele, estar com o Senhor, aprender a estar com Senhor sem outro objetivo, exatamente como nos acontece com as pessoas de quem gostamos: desejamos conhecê-las cada vez mais, porque é bom estar com elas".

Francisco disse que "a vida espiritual não é uma técnica à nossa disposição, não é um programa de “bem-estar” interior que nos compete planificar. Não! A vida espiritual é a relação com o Vivente, com Deus, o Vivente, irredutível às nossas categorias". "Quem reza observa que os resultados são imprevisíveis", frisou o Pontífice, convidando "a não ter medo da desolação, mas levá-la adiante com perseverança, não fugir, e na desolação procurar encontrar o coração de Cristo, encontrar o Senhor, e a resposta chega sempre".

"Portanto, diante das dificuldades nunca devemos desanimar, mas enfrentar a provação com decisão, com a ajuda da graça de Deus que nunca nos falta. E se ouvirmos dentro de nós uma voz insistente, que nos quer distrair da oração, aprendamos a desmascará-la como a voz do tentador; e não nos deixemos impressionar: façamos simplesmente o contrário do que ela nos diz", concluiu o Papa.

VN

13 novembro 2022

Papa: cuidado com os falsos "messias", o ser humano é o verdadeiro templo de Deus

 
 Papa na missa por ocasião do Dia Mundial dos Pobres 
 
No Dia Mundial dos Pobres, Francisco celebrou a missa na Basílica de São Pedro com a participação de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. Na homilia, exortou os fiéis a romperem a "surdez interior" que impede de ouvir o grito de sofrimento dos mais frágeis. E convidou a refletir sobre o que fazer diante da III Guerra Mundial.
 

Bianca Fraccalvieri – Vatican News

O ser humano é o verdadeiro templo de Deus: foi o que recordou o Papa Francisco ao celebrar a missa na Basílica de São Pedro neste Dia Mundial dos Pobres.

O Pontífice inspirou a sua homilia no Evangelho deste XXXIII Domingo do Tempo Comum, em que Jesus faz duas exortações: não vos deixeis enganar e dai testemunho.

Jesus quer livrar-nos da tentação de ler os factos mais dramáticos de modo supersticioso ou catastrófico, como se estivéssemos já perto do fim do mundo não valendo a pena empenharmo-nos em algo de bom. Durante as crises, nunca faltam magos, gurus, horóscopos e teorias fantasiosas propostas por qualquer “messias” da última hora. "E muitos cristãos procuram o horóscopo como se fosse a voz de Deus", lamentou. Por sua vez, o discípulo do Senhor não cede ao desânimo nem mesmo nas situações mais difíceis, porque o seu Deus é o Deus da ressurreição e da esperança.

A arte tipicamente cristã: reagir ao mal com o bem

Assim, a segunda exortação é justamente esta: Tereis ocasião de dar testemunho. E Francisco acentuou a palavra “ocasião”, ressaltando que é uma “arte tipicamente cristã” não ficar refém daquilo que acontece, mas aproveitar a oportunidade de construir mesmo a partir de situações negativas. "O cristão não permanece vítima daquilo que acontece", recordou o Papa. Portanto, situações de prova, de perda de controle, de insegurança são ocasiões para testemunhar o Evangelho. "Também eu, hoje, faço a mim esta pergunta: o que está dizer-nos o Senhor diante desta III Guerra Mundial?"

A crise, explicou ainda Francisco, é abertura, enquanto o mau espírito trabalha para que a crise se torne conflito. "O conflito é sempre fechamento, sem horizonte e sem saída. Não! Vivamos a crise como pessoas humanas, como cristãos, sem as transformar em conflito porque toda a crise é uma possibilidade e oferece ocasião de crescimento."

O Papa convidou cada um a interrogar-se: "Diante desta III Guerra Mundial tão cruel, diante da fome de tantas crianças, de tantas pessoas: eu posso desperdiçar, desperdiçar dinheiro, desperdiçar a minha vida, desperdiçar o sentido da minha vida sem tomar coragem e ir em frente?"

O sofrimento do povo ucraniano

E este é o convite que ressoa neste Dia Mundial dos Pobres, para romper esta surdez interior que nos impede de ouvir o grito de sofrimento, sufocado, dos mais frágeis.

Também hoje vivemos em sociedades feridas e assistimos, tal como nos disse o Evangelho, a cenários de violência, "é só pensar na crueldade que está a sofrer o povo ucraniano", de injustiça e de perseguição; há a crise gerada pelas alterações climáticas e pela pandemia; ampliam-se os conflitos, estamos diante da “calamidade da guerra”; há desemprego e migração forçada. E os pobres são os mais penalizados.

“Mas, se o nosso coração estiver blindado e indiferente, não conseguiremos ouvir o seu flébil grito de dor, chorar com eles e por eles, ver quanta solidão e angústia se escondem mesmo nos cantos esquecidos das nossas cidades, vê-se ali tanta miséria, tanta dor e tanta pobreza descartada.”

Não dar ouvidos aos falsos "messias"

Portanto, prosseguiu o Papa, façamos nosso o convite forte e claro do Evangelho de não nos deixarmos enganar. Não vamos dar ouvidos aos profetas da desgraça, às sirenes do populismo, aos falsos "messias" que, em nome do lucro, proclamam receitas úteis apenas para aumentar a riqueza de poucos.

Ao contrário, vamos dar testemunho: aproveitar a ocasião para testemunhar o Evangelho da alegria e construir um mundo mais fraterno; empenhando-nos em prol da justiça, da legalidade e da paz, permanecendo ao lado dos mais frágeis. “Não fujamos para nos defender da história, mas lutemos para dar a esta história que estamos a viver um rosto diferente.”

A força vem da confiança em Deus. Abrindo o nosso coração a Ele, aumentará em nós a capacidade de amar e "este é o caminho: crescer no amor". Deixemo-nos interrogar: como cristãos, que atitude tomar diante desta civilização que descarta os pobres, os velhos e os nascituros? Francisco recordou uma tradição italiana, na ceia de Natal, de reservar um lugar vazio à mesa para o Senhor que poderá bater à porta. E questionou: "O seu coração tem sempre um lugar vazio para aquela gente, ou estamos tão atarefados com os amigos, os eventos sociais, as obrigações? Nunca temos um lugar vazio para aquelas pessoas. Amados por Ele, decidamo-nos amar os filhos mais descartados. Ele identifica-se com o pobre."

“Não podemos ficar – como aqueles de quem fala o Evangelho – a admirar as belas pedras do templo, sem reconhecer o verdadeiro templo de Deus, o ser humano, o homem e a mulher, especialmente o pobre, em cujo rosto, em cuja história, em cujas feridas está Jesus. Foi Ele que o disse… Nunca o esqueçamos!”

VN

Angelus: com Jesus não há nada a temer, vamos perseverar na construção do bem

 
 Angelus - 2022-11-13
 
A perseverança foi o tema da alocução do Papa Francisco antes de rezar o Angelus dominical neste XXXIII Domingo do Tempo Comum: "A perseverança é o reflexo no mundo do amor de Deus, porque o amor de Deus é fiel, nunca muda."
 

Bianca Fraccalvieri – Vatican News

Depois da missa celebrada na Basílica Vaticana, o Papa rezou o Angelus com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.

Na sua alocução, comentou o Evangelho deste domingo, que nos leva a Jerusalém, ao lugar mais santo: o templo. Jesus adverte que tudo será destruído, que não ficará pedra sobre pedra, mas Francisco concentra-se na frase final do trecho de Lucas para introduzir o tema da perseverança. De facto, Jesus diz: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!”

Jesus pede para persistir no que realmente importa e eis o significado da perseverança: construir o bem a cada dia.

“Perseverar é permanecer constantes no bem, especialmente quando a realidade circundante impele a fazer outra coisa.”

O Papa fez exemplos da vida concreta, com situações que acontecem connosco ou pessoas próximas de nós, que vão desde adiar o momento de oração até se deixarem influenciar por pessoas que tiram vantagem de tudo. Perseverar, por outro lado, é permanecer no bem. Francisco então convida-nos a refletir:

“Como está a minha perseverança? Sou constante ou vivo a fé, a justiça e a caridade de acordo com os momentos: se dá vontade rezo, se me convém sou correto, disponível e prestativo, enquanto, se estou insatisfeito, se ninguém me agradece, deixo de sê-lo? Em suma, a minha oração e o meu serviço dependem das circunstâncias ou de um coração firme no Senhor?”

Ao invés, Jesus recorda-nos que se perseverarmos não teremos nada a temer, mesmo nos tristes momentos da vida, mesmo diante do mal ao nosso redor, porque permanecemos alicerçados no bem.

“A perseverança é o reflexo no mundo do amor de Deus, porque o amor de Deus é fiel, nunca muda. Que Nossa Senhora, serva do Senhor perseverante na oração, fortaleça a nossa constância.”

VN

12 novembro 2022

SER PADRE

 

Abriu os olhos de madrugada e percebeu de imediato que a noite sono estava acabada.

Era Domingo, tinha Missas para celebrar, mas não tinha a mínima vontade de se levantar.
Uma vergonha, um medo, uma impotência, tomavam conta dele e naquele momento a sua vontade era desaparecer para ninguém saber dele.

E ele não tinha culpa nenhuma!
Sempre se tinha mantido fiel à sua entrega a Deus e à Igreja e, tirando as fraquezas e faltas normais de qualquer ser humano, tinha sido sempre fiel ao compromisso sagrado que tinha proferido no dia da sua ordenação.
Por causa de uns quantos colegas padres que se tinham deixado levar pelo mundo, sofria agora na pele a ignomínia que, afinal, não lhe podia ser assacada.
Que vergonha, meu Deus, que vergonha!

Deixou-se ficar deitado e pensou que o melhor era rezar na intimidade do seu quarto.

O seu primeiro pensamento e oração foi para as vítimas daquele horror que até tinha dificuldade de pensar.
Senhor Jesus, Tu que só tens amor para dar, olha por todos estes jovens que foram vítimas do terrível pecado de alguns dos teus filhos que a Ti se consagraram, e protege-os, guarda-os no teu coração.
No amor do Pai, derrama o Espírito Santo em cada um, para que Ele os ilumine, os guie e afaste deles todos os traumas que com certeza sofrem, de modo que possam viver a vida que lhes deste, em paz, amor e felicidade que só Tu podes dar.

Depois, não sem alguma repulsa, (a sua humanidade era mais forte), não pode deixar de pensar nos seus colegas padres, (até tinha dificuldade em os ver assim, nessa condição), rezou por eles também.
Senhor Jesus, Tu que és perdão e o teu amor é sempre maior que o nosso pecado, toca o coração destes teus filhos padres que se deixaram cair no pecado, para que reconheçam os seus terríveis actos, se arrependam sinceramente e façam um verdadeiro propósito de emenda.
Peço-te, Senhor Jesus, para que esse arrependimento e propósito de emenda seja real e sincero, eles mesmo se acusem e se apresentem aos tribunais da Igreja e da sociedade para serem julgados pelos seus horrorosos actos.
E, perante isso, perdoa-os, Senhor, e recebe-os como ovelhas perdidas que encontraram o seu Pastor.

Infelizmente nada se alterava na sua disposição de se levantar e enfrentar o dia, porque pensava em todos aqueles com quem se ia cruzar, e que o iriam julgar e condenar nos seus pensamentos e opiniões.
Que vergonha, meu Deus, que vergonha!

Estendeu a mão para a mesa de cabeceira e apanhou o terço que lá estava, acreditando que a Mãe do Céu havia de interceder por ele e ajudá-lo a sair daquele sofrimento mental que estava a viver.
Embora fosse Domingo, decidiu meditar nos mistérios dolorosos por achar que eram mais “apropriados” à situação que estava a viver.

Antes de começar a rezar veio ao seu coração uma pequeníssima frase: Imitar Cristo.

A oração e a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras
Oh, Jesus, também eu rezo e me agonio ao pensar nestes terríveis actos.
Pesam-me como se fossem meus, mas percebo que talvez esteja a pensar mais em mim e no que possam dizer de mim, do que nas vítimas e na tua Igreja.
Eu rezo e agonio-me, afinal, por mim, mas Tu rezaste e agoniaste-Te por todos nós.
Tem piedade, Senhor, das vítimas, daqueles que cometeram tais actos e de todos nós.

A prisão e flagelação de Jesus Cristo
Oh, Jesus, também eu estou “preso” nestes meus pensamentos que me tolhem e não me querem deixar viver o meu sacerdócio.
Também eu me flagelo com a vergonha e o medo que neste momento vivem em mim.
Mas Tu, Senhor, foste realmente preso, tiraram-Te a liberdade e fizeram-Te sofrer física e mentalmente suplícios sem fim, e Tu o deixaste fazer por todos nós, por mim.
Tem piedade, Senhor, das vítimas, daqueles que cometeram tais actos e de todos nós.

A coroação de espinhos
Oh, Jesus, também eu parece que sinto cada olhar, cada palavra sussurrada, cada conversa que se cala na minha presença, como “espinhos” que me atravessam o pensamento e me toldam o raciocínio.
Mas Tu, Senhor, foste ferido realmente por todos os espinhos que afinal eram e são os pecados de todos nós, que Te magoam, não por Ti, mas porque sabes que quando pecamos nos afastamos de Ti e nos condenamos a nós próprios.
Tem piedade, Senhor, das vítimas, daqueles que cometeram tais actos e de todos nós.

A subida de Jesus ao Calvário carregando a Cruz
Oh, Jesus, também eu tenho o meu “calvário” para subir e a minha cruz para carregar e, diferentemente de Ti, apetece-me agora desistir de o fazer.
Mas Tu, Senhor, carregaste a tua Cruz que afinal era a soma de todas as nossas cruzes, subiste ao Calvário sem um queixume, sem vergonha, sem medo, porque o fizeste por todos nós pelo infinito amor que nos tens.
E eu até penso em desistir da minha cruz quando sei bem que Tu estás sempre disposto a carrega-la comigo.
Tem piedade, Senhor, das vítimas, daqueles que cometeram tais actos e de todos nós.

A crucificação e morte de Jesus
Oh, Jesus, também eu me parece que sou “crucificado” no “altar” da opinião pública.
Também eu parece que “morro” quando me lembro, (e como poderia eu esquecer-me?), deste horror que abala a Igreja.
Mas Tu, Senhor, entregaste-Te assim, total e completamente, para seres crucificado e morreres por cada um de nós.
E dessa tua entrega nasce também a vida, a vida eterna, que dás a todos aqueles que Te seguem deixando-se morrer em Ti para em Ti ressuscitarem.
Tem piedade, Senhor, das vítimas, daqueles que cometeram tais actos e de todos nós.

Acabou a Salve Rainha, fechou os olhos, e deixou-se ficar mais um pouco deitado, mas sentiu que a paz se ia instalando nele e que as forças anímicas iam voltando.

Abriu os olhos e perante as frestas da janela percebeu a claridade do dia.
Quis ver nessa claridade a luz que Deus lhe dava para perceber que devia oferecer tudo aquilo que sentia pelas vítimas e pelos que cometeram tais pecados.
E isso confortou-o e deu-lhe forças para se levantar, pensando que de algum modo imitava Cristo ao oferecer-se para sofrer tudo aquilo que injustamente pensassem dele.

Já com um sorriso na cara veio à sua memória uma frase que um dia tinha lido e era mais ou menos assim:
Ser Padre
é isto tão somente,
não ser de si,
mas ser de Deus,
para ser de toda a gente.



Marinha Grande, 12 de Novembro de 2022
Joaquim Mexia Alves

07 novembro 2022

Dom Paul Hinder: no Bahrein o Papa tocou o coração de todos, não só dos cristãos

 
 Papa Francisco com D. Paul Hunder no Bahrein (VATICAN NEDIA) Division Foto) 
 
“Francisco tocou o coração não só dos cristãos, mas dos próprios muçulmanos com a sua fragilidade, as suas dificuldades físicas, porém com a força de fazer essas viagens e de nos encontrar com humildade". Palavras de Dom Paul Hinder numa primeira avaliação sobre a importante viagem do Papa ao Bahrein que se realizou de 3 a 6 de novembro
 

Vatican News

O momento "mais emocionante" da visita do Papa Francisco ao Bahrein, que terminou ontem (06/11), foi "a missa celebrada no estádio", onde "o entusiasmo" dos fiéis de toda a região do Golfo "reunidos em oração para celebrar o mistério" era visível. É o que disse à agência AsiaNews Dom Paul Hinder, administrador apostólico do Norte da Arábia (Kuwait, Arábia Saudita, Qatar e Bahrein), que durante a visita de 3 a 6 de novembro esteve sempre em estreito contacto com o Pontífice. A visita foi caracterizada por muitos eventos significativos, mesmo "a nível pessoal", explica Dom Hinder, que já tinha recebido o Papa nos Emirados Árabes Unidos em 2019, um evento "histórico" que ainda está vivo na sua memória: "Esta segunda presença significou um grande envolvimento a nível pessoal, muito além das expectativas".

Discursos corajosos

Questionado sobre uma primeira avaliação da visita, o bispo nascido na Suíça, que está na região há muito tempo, primeiro como vigário do Sul da Arábia (EAU, Iêmen, Omã) e agora como administrador apostólico do Norte, fala de uma "visita na qual tudo correu muito bem: bem organizada por ambos os lados, pelo governo do Bahrein e pelo Vaticano". Ele conta que ficou "admirado" pela dedicação demonstrada "por essas pessoas que consagraram dia e noite para preparar até mesmo os menores detalhes". O prelado então enfatizou "os discursos do Papa", que ele descreve como "corajosos em enfrentar e abordar problemas básicos", tais como direitos humanos e liberdade religiosa, bem como fortes posições contra a guerra e a favor do trabalho numa realidade migrante. Para os cristãos da região, professar a fé é sempre um desafio, dada a "situação especial" em que eles se encontram e que "não são em grande número", observa Dom Hinder. Ao mesmo tempo, eles "têm uma tarefa a cumprir" como o próprio Pontífice recordou, porque "são chamados a viver o Evangelho na sua realidade de forma simples e humilde, mas ao mesmo tempo confiável", numa perspetiva de "paz". "E muito sobre os direitos, liberdade religiosa com referências à paz", acrescentou, "os que o escutaram e tinham que entender receberam o recado".

Aproximação com respeito

A viagem ao Bahrein segue-se à visita aos Emirados em 2019, uma novidade histórica para um pontífice numa nação do Golfo, e "certamente faz parte da mesma lógica e continuidade, embora ainda seja um processo em construção". Na mente do Papa segue-se um processo de "aproximação no respeito e na compreensão recíproca", especialmente "a nível de ação, embora [cristianismo e islamismo] sejam diferentes em religião e doutrina". Mas o objetivo é "chegar num dia, mas a insistência do Papa é um elemento de força e de confiança", mesmo não obtendo resultados imediatos e nem todas as expectativas sejam 100% cumpridas.

Arábia Saudita

No Bahrein não foi assinado nenhum documento, porque permanece válido o texto assinado em Abu Dhabi em 2019, que também é o coração da encíclica Fratelli tutti. Resta, acrescenta Dom Hinder, a "continuidade no ensino e na prática" das relações islâmico-cristãs. No encontro com sacerdotes, religiosas e leigos envolvidos no trabalho pastoral, foi dado um "forte encorajamento" para continuar a missão, depois o prelado confiou que ele falou "num momento não planeado e pessoal" com o Pontífice sobre a situação dos cristãos na Arábia Saudita, alguns dos quais tinham acompanhado ao vivo a viagem apostólica.  Entre os dois países "há uma ponte que não é apenas física" que favorece conexões e intercâmbios também para a comunidade cristã, enquanto está em andamento uma " discreta diplomacia " que "entendemos ser a mais eficaz" a fim de dar frutos no futuro.  

Papa tocou o coração de todos

Para os fiéis", conclui Dom Hinder, "a presença do Papa foi uma fonte de alegria e de grande orgulho". Três vezes em dois anos, considerando a pandemia da Covid-19 e a saúde do pontífice, faz-nos perceber que não somos esquecidos e este é um elemento de grande conforto. Além disso, Francisco tocou o coração não só dos cristãos, mas dos próprios muçulmanos com a sua fragilidade, as suas dificuldades físicas, porém com a força de fazer essas viagens e de nos encontrar com humildade".

(com AsiaNews)

VN

04 novembro 2022

O Papa: os líderes religiosos não podem deixar de se comprometer e dar bom exemplo

 

No seu discurso por ocasião do Encerramento do Fórum “Oriente e Ocidente em prol da Coexistência Humana", nesta sexta-feira (04/11), o Papa Francisco convidou a considerar o Documento sobre a Fraternidade Humana, onde se almeja um encontro fecundo entre Ocidente e Oriente. E o Papa fez mais um apelo "pelo fim da guerra na Ucrânia e por sérias negociações de paz"
 

Jane Nogara - Vatican News

O primeiro compromisso da manhã desta sexta-feira (04/11) do Papa Francisco no Bahrein  foi a participação no Encerramento do Fórum “Oriente e Ocidente em prol da Coexistência Humana”. Francisco iniciou o nseu discurso recordando que a terra vista do alto apresenta-se como um vasto mar azul, que liga margens distintas. “Do céu”, disse o Papa, “parece recordar-nos que somos uma família: não ilhas, mas um único grande arquipélago. É assim que o Altíssimo nos quer, e bem pode simbolizar o seu anseio por este país, um arquipélago de mais de trinta ilhas”.

Entre dois mares de sabores opostos

Seguidamente recordou que contudo, vivemos tempos em que uma humanidade, interligada como nunca, se apresenta bem mais dividida do que unida. “E o nome do ‘Bahrein’ pode ajudar-nos a ir mais longe na nossa reflexão: os ‘dois mares’, que evoca, referem-se às águas doces das suas nascentes submarinas e às águas salobras do Golfo. De modo semelhante, encontramo-nos hoje perante dois mares de sabor oposto: por um lado, o mar calmo e doce da convivência comum, por outro, o mar amargo da indiferença, afligido por confrontos e agitado por ventos de guerra, com as suas devastadoras ondas sempre mais tumultuosas, com o risco de nos arrastar a todos”. E Francisco lamentou que Oriente e Ocidente assemelham-se cada vez mais a dois mares contrapostos. “Entretanto”, encorajou, “nós estamos aqui juntos, porque pretendemos navegar no mesmo mar, escolhendo a rota do encontro em vez da do confronto, o caminho do diálogo indicado por este Fórum: 'Oriente e Ocidente em prol da coexistência humana'".

O paradoxo mundial

Ponderando a questão disse ainda: “Impressiona este paradoxo: enquanto a maior parte da população mundial encontra-se unida pelas mesmas dificuldades, atormentada por graves crises alimentares, ecológicas e pandémicas, bem como por uma injustiça planetária cada vez mais escandalosa, uns poucos poderosos concentram-se decididamente numa luta por interesses de parte, desenterrando linguagens obsoletas, redesenhando áreas de influência e blocos contrapostos”. Alertando eguidamente que “veremos multiplicar-se estas amargas consequências, se continuarmos a acentuar as oposições sem redescobrir a compreensão”, “se não deixarmos de distinguir de forma maniqueísta quem é bom e quem é mau, se não nos esforçarmos por compreender e colaborar para o bem de todos”. Concluindo este ponto disse:

“Estas opções estão diante de nós, porque, num mundo globalizado, só se avança remando juntos; ao passo que, navegando sozinho, vai-se à deriva”

Documento da Fraternidade Humana

Então Francisco convida a considerar o Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum, onde se almeja um encontro fecundo entre Ocidente e Oriente. “Encontramo-nos aqui, crentes em Deus e nos irmãos, para rejeitar ‘o pensamento isolante’, aquele modo de ver a realidade que ignora o mar único da humanidade para se concentrar apenas nas suas próprias correntes”. Ao falar sobre os temas debatidos durante o Fórum o Papa disse que os líderes religiosos “não podem deixar de se comprometer e dar bom exemplo”.

“Assim, continuou Francisco, “queria delinear três desafios, que sobressaem do Documento sobre a Fraternidade Humana e da Declaração do Reino do Bahrein e sobre os quais se refletiu nestes dias. Dizem respeito à oração, à educação e à ação.

Oração e Coração

“Em primeiro lugar, a oração, que toca o coração do homem. Na realidade, os dramas que sofremos e as perigosas dilacerações que experimentamos, ‘os desequilíbrios de que sofre o mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem’” (Gaudium et spes, 10).

“Por isso mesmo a oração, a abertura do coração ao Altíssimo, é fundamental para nos purificar do egoísmo, do isolamento, da autorreferencialidade, das falsidades e da injustiça.

“Quem reza, recebe no coração a paz, não podendo deixar de se fazer sua testemunha e mensageiro, convidando os seus semelhantes para não se tornarem reféns de um paganismo que reduz o ser humano àquilo que vende, compra ou com que se diverte, mas redescobrirem a dignidade infinita que cada um traz impressa”

Liberdade religiosa

Porém afirma ainda o Papa “para que isso possa acontecer, há uma premissa indispensável: a liberdade religiosa. A Declaração do Reino do Bahrein explica que ‘Deus orientou-nos para o dom divino da liberdade de opção’ e, por conseguinte, ‘qualquer forma de coerção religiosa não pode levar a pessoa a uma relação significativa com Deus’”.

“Toda a coerção é indigna do Omnipotente, pois Ele não entregou o mundo a escravos, mas a criaturas livres, a quem respeita profundamente”

Educação e mente

“Se o desafio da oração tem a ver com o coração, o segundo desafio – a educação – diz respeito essencialmente à mente do homem” afirmou o Papa. “A Declaração do Reino do Bahrein afirma que ‘a ignorância é inimiga da paz’. É verdade que, onde faltam oportunidades de instrução, aumentam os extremismos e radicam-se os fundamentalismos”. “De facto, é indigno da mente humana crer que as razões da força prevalecem sobre a força da razão, usar métodos do passado para as questões presentes, aplicar os esquemas da técnica e da conveniência à história e à cultura do homem”. Explicando este ponto Francisco afirma: “Isto requer questionarmo-nos, entrar em crise e saber dialogar com paciência, respeito e espírito de escuta; aprender a história e a cultura alheia. Assim se educa a mente do homem, alimentando a compreensão recíproca. Porque não basta dizer que somos tolerantes, é preciso abrir verdadeiramente espaço ao outro, dar-lhe direitos e oportunidades”.

Urgências educativas

O Papa descreveu seguidamente três urgências educativas: “Em primeiro lugar, o reconhecimento da mulher na esfera pública: reconhecer o seu direito ‘à instrução, ao trabalho, ao exercício dos seus direitos políticos’. Em segundo lugar, “‘a tutela dos direitos fundamentais das crianças’, para que cresçam instruídas, assistidas, acompanhadas, não condenadas a viver nos mordimentos da fome e nos remordimentos da violência”. Por fim em terceiro lugar, “a educação para a cidadania, para viver juntos, no respeito e na legalidade. E, em particular, a importância do ‘conceito de cidadania’, que ‘se baseia na igualdade dos direitos e dos deveres’”.

Ação e as forças do homem

Por fim falou sobre o último dos três desafios: “aquele que diz respeito à ação – poder-se-ia dizer –, às forças do homem. A Declaração do Reino do Bahrein ensina que, ‘quando se prega ódio, violência e discórdia, profana-se o nome de Deus’”. “Com efeito”, concluiu o Papa, “não basta dizer que uma religião é pacífica, é preciso condenar e isolar os violentos que abusam do seu nome. E não basta sequer distanciar-se da intolerância e do extremismo, é preciso agir em sentido contrário”. E disse com firmeza:

“Por isso, é necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e também da cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações”

Concluindo este ponto disse:

“O homem religioso, o homem de paz, opõe-se também à corrida ao rearmamento, aos negócios da guerra, ao mercado da morte. Não sustenta ‘alianças contra ninguém’, mas caminhos de encontro com todos: sem ceder a relativismos ou sincretismos de qualquer espécie, segue apenas uma estrada, a da fraternidade, do diálogo, da paz. Estes são os seus ‘sins’”. Da Praça Al-Fida' no Palácio Real de Sakhir em Awali, Bahrein, a voz do Papa sobe aos céus ao lançar um novo e sentido apelo 'pelo fim da guerra na Ucrânia e por sérias negociações de paz'".

VN

03 novembro 2022

O Papa no Bahrein: a vocação de todo ser humano na terra é de fazer a vida prosperar

 
 
"Rejeitemos a lógica das armas e invertamos o rumo, transformando as enormes despesas militares em investimentos para combater a fome, a falta de cuidados da saúde e da educação", disse Francisco em seu primeiro discurso no Bahrein.

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco encontrou-se, nesta quinta-feira (03/11), com as Autoridades, Representantes da sociedade civil e o Corpo diplomático no Palácio Real Sakhir, em Awali, no Bahrein, no âmbito da sua 39ª Viagem Apostólica Internacional por ocasião do "Fórum do Bahrein para o Diálogo: Oriente e Ocidente para a Coexistência Humana".

Francisco agradeceu ao Rei do Bahrein, Sua Majestade Hamad bin Isa bin Salman Al Khalifa, pelo "amável convite para visitar o Reino do Bahrein", pelo "caloroso e generoso acolhimento" e as suas palavras de boas-vindas.

"Aqui, onde as águas do mar circundam as areias do deserto e imponentes arranha-céus se erguem ao lado dos tradicionais mercados orientais, cruzam-se realidades muito diferentes: convergem antiguidade e modernidade, fundem-se história e progresso, e sobretudo pessoas da mais variada proveniência formam um original mosaico de vida", disse o Papa no início de seu discurso.

Pesquisa e valorização de seu passado

A fala do Papa foi norteada pelo «emblema de vitalidade» que caracteriza o país: a «árvore da vida» (Shajarat-al-Hayat). "Uma majestosa acácia, que, há séculos, sobrevive numa zona deserta, onde a chuva é muito escassa. Parece impossível que uma árvore tão longeva resista e prospere em tais condições. Na opinião de muitos, o segredo estaria nas raízes, que se estendem por dezenas de metros sob o solo, recorrendo aos depósitos subterrâneos de água."

"As raízes! O Reino do Bahrein empenha-se na pesquisa e valorização do seu passado, que fala de uma terra extremamente antiga, para onde acorriam os povos: foi sempre lugar de encontro entre populações diferentes", sublinhou Francisco, ressaltando que a maior riqueza das raízes do Bahrein "vê-se na sua variedade étnica e cultural, na convivência pacífica e no tradicional acolhimento da população".

Segundo o Papa, os vários "grupos nacionais, étnicos e religiosos que coexistem" no Bahrein "testemunham que é possível e se deve conviver em nosso mundo", que se tornou uma "aldeia global, na qual dando como certa a globalização, ainda é em muitos aspectos desconhecido «o espírito da aldeia»", formado de "hospitalidade, solicitude pelo outro e fraternidade".

Trabalhar em prol da esperança

De acordo com Francisco, vemos o "crescimento em larga escala da indiferença e mútua suspeita, da extensão de rivalidades e contraposições que se esperavam superadas, de populismos, extremismos e imperialismos que põem em perigo a segurança de todos. Não obstante o progresso e tantas conquistas civis e científicas, aumenta a distância cultural entre as várias partes do mundo e, às benéficas oportunidades de encontro, antepõem-se perversas atitudes de conflito".

Em vez disso, pensemos na árvore da vida e distribuamos, nos desertos áridos da convivência humana, a água da fraternidade: não deixemos evaporar-se a possibilidade do encontro entre civilizações, religiões e culturas, não permitamos que sequem as raízes do humano!

“Trabalhemos juntos, trabalhemos em prol do todo, em prol da esperança! Estou aqui, na terra da árvore da vida, como semeador de paz, para viver dias de encontro, participar do Fórum de diálogo entre Oriente e Ocidente em prol da coexistência humana pacífica.”

O Pontífice disse que esses dias passados no Bahrein "marcam uma etapa preciosa no percurso de amizade que tem vindo a intensificar-se, nos últimos anos, com vários líderes religiosos islâmicos: um caminho fraterno que, sob o olhar do Céu, quer favorecer a paz na Terra".

Contribuição de diferentes povos

Francisco manifestou apreço "pelas conferências internacionais e as oportunidades de encontro que este Reino organiza e favorece, centrando-se especialmente na temática do respeito, da tolerância e da liberdade religiosa".

Voltando à árvore da vida, o Papa sublinhou que "os vários ramos de diferentes tamanhos que a caracterizam, com o passar do tempo, deram vida a espessas ramagens, fazendo crescer a sua altura e circunferência. Neste país, foi a contribuição de tantas pessoas de diferentes povos que consentiu um notável progresso produtivo".

“Isto tornou-se possível graças à imigração, que regista no Reino do Bahrein uma das taxas mais elevadas do mundo: cerca de metade da população residente é estrangeira e trabalha de forma significativa para o progresso de um país, onde – tendo deixado a própria pátria – se sente em casa.”

Todavia não se pode esquecer que, nos nossos dias, há ainda muita falta de trabalho e demasiado trabalho desumano: isto acarreta não só graves riscos de instabilidade social, mas representa um atentado à dignidade humana. De facto, o trabalho não é necessário apenas para se ganhar a vida, mas constitui também um direito indispensável para nos desenvolvermos integralmente e moldarmos uma sociedade à medida do ser humano.

Promoção em toda a área dos direitos 

A seguir, o Papa chamou a atenção para a crise do trabalho em todo o mundo. "Muitas vezes falta o trabalho, precioso como o pão; frequentemente é pão envenenado, porque escraviza". Ele pediu para que "sejam garantidas condições de trabalho seguras e dignas do ser humano, que não impeçam, mas favoreçam a vida cultural e espiritual; que promovam a coesão social, em prol da vida comum e do próprio progresso dos países".

O Bahrein pode gloriar-se de preciosas conquistas neste sentido: penso, por exemplo, na primeira escola feminina surgida no Golfo e na abolição da escravatura.

“Continue sendo farol na promoção em toda a área dos direitos e condições justas e cada vez melhores para os trabalhadores, as mulheres e os jovens, garantindo ao mesmo tempo respeito e solicitude por quantos se sentem mais à margem da sociedade, como os emigrantes e os reclusos: o desenvolvimento verdadeiro, humano, integral mede-se sobretudo pela atenção que lhes é prestada.”

A questão ambiental

A árvore da vida, que se ergue, solitária, na paisagem deserta, sugeriu ao Papa refletir sobre "dois âmbitos decisivos para todos e que interpelam primariamente quem, governando, detém a responsabilidade de servir o bem comum".

Em primeiro lugar, a questão ambiental: quantas árvores são derrubadas, quantos ecossistemas devastados, quantos mares poluídos pela ganância insaciável do homem, cuja conta se deve pagar depois! Não nos cansemos de trabalhar em prol desta dramática pendência, realizando opções concretas e previdentes, pensando nas gerações mais jovens, antes que seja demasiado tarde e se comprometa o seu futuro.

“Que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), que terá lugar no Egito dentro de poucos dias, constitua um passo em frente no referido sentido!”

Fazer a vida prosperar

Em segundo lugar,  "a vocação de todo o ser humano na terra: fazer a vida prosperar". Infelizmente, vemos hoje e cada vez mais "ações e ameaças de morte". O Papa pensou em "particular na realidade monstruosa e insensata da guerra, que semeia por toda a parte destruição e erradica a esperança. Na guerra, aparece o lado pior do ser humano: egoísmo, violência e mentira. Sim, porque a guerra, qualquer guerra, constitui também a morte da verdade".

Rejeitemos a lógica das armas e invertamos o rumo, transformando as enormes despesas militares em investimentos para combater a fome, a falta de cuidados da saúde e da educação. Tenho no coração a tristeza por tantas situações de conflito.

“Olhando para a Península Arábica, cujos países desejo saudar com cordialidade e respeito, dirijo um pensamento especial e sentido ao Iemen, martirizado por uma guerra esquecida que, como qualquer guerra, não leva a nenhuma vitória, mas apenas a amargas derrotas para todos.”

Recordo na oração sobretudo os civis, as crianças, os idosos, os doentes, e imploro: calem-se as armas, comprometemo-nos por toda parte e de verdade em prol da paz!

"A respeito disto, a Declaração do Reino do Bahrein reconhece que a fé religiosa é «uma bênção para todo o gênero humano», o alicerce «para a paz no mundo». Estou aqui como fiel, como cristão, como homem e peregrino da paz, porque hoje, mais do que nunca, somos chamados a  comprometermo-nos seriamente com a paz", concluiu.

VN