Um diálogo que continua
«Pedro insistiu: “Nunca consentirei que me laves os pés”. Jesus respondeu-lhe: “Se não tos lavar, não terás parte comigo”».
Acabámos de ouvir este diálogo, com o que o antecedeu e continuou.
“Continuou” no sentido mais amplo, porque continua hoje e assim
continuará sempre. Dá sentido pleno a esta Missa Vespertina da Ceia do
Senhor e a toda a vida eclesial que nela se concentra.
A
insistência de Jesus em lavar os pés a Pedro revela o modo como o
próprio Deus nos serve, para nos ensinar a fazer assim e só assim. A
resistência de Pedro é a mesma que mantemos quanto a reconhecer como
Deus é e não como O imaginamos, ou nos projetamos. Grande alienação, de
facto, que nos alheia da verdade de Deus, dos outros e de nós próprios.
Humildade
e verdade são irmãs gémeas e nunca vai uma sem a outra. A humildade
mantém-nos na verdade. A nossa verdade, de sermos realmente pequenos,
frágeis e insuficientes – e nem precisaríamos que a atual pandemia o
lembrasse.
Vejamo-lo
positivamente, pois pequenez e fragilidade são outras tantas aberturas
aos outros e a Deus, para só assim nos mantermos e sermos realmente
“pessoas”: dos outros, com os outros e para os outros, sem
autossuficiência descabida. É nesta interdependência total, humildemente
aceite e ativada, que nos demonstramos “imagem e semelhança” de Deus
uno e trino: Deus Pai só o é em relação a Deus Filho, como o Filho em
relação ao Pai; e o Espírito é Vida que deles procede, na mútua
interdependência que Os define.
Deus,
que assim se vislumbra, também assim atua, criando-nos para se rever em
nós, como nós em Deus. Por isso se apresenta finalmente em Jesus, como
quem serve e nos quer igualmente servidores, que se ganham na partilha.
Nestes
tempos difíceis que vivemos, tenho recolhido e agradecido vários
testemunhos de realização feliz de muitos que servem, cuidam e realmente
se interessam pelo bem dos outros. São exemplos diários e em todos os
setores se verificam. Na saúde, na família, no voluntariado, na atenção
pastoral reforçada e criativa. É uma felicidade autêntica, daquela que o
próprio Jesus referiu: «A felicidade está mais em dar do que em
receber» (At 20, 35).
Importante
será mantermos esta mesma disposição depois de vencida a pandemia, para
a continuarmos a exercitar em relação a tudo quanto falta e é tamanho,
rumo a um mundo mais fraterno, solidário e inclusivo. Importante será
reconhecermos que só com os outros e para os outros seremos inteiramente
nós, na humildade e no serviço.
Patriarcado de Lisboa
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