31 dezembro 2023

Papa: capacidade de estupor, segredo para seguir bem em família

 

"Sabermo-nos maravilhar antes de tudo, com Deus", mas também com o próprio cônjuge, com os filhos, com a sabedoria dos avós e com a própria história. No último Angelus de 2023, o Papa recordou o que a Sagrada Família, "especialista em sofrimentos", tem a dizer às famílias.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

A família de Nazaré era "especialista em sofrimentos", e justo por isso, tem muito dizer-nos. Seguindo o seu modelo, devemos pedir à Virgem Maria a capacidade de "maravilhar-nos em cada dia com o bem e a saber ensinar aos outros a beleza do estupor", disse o Papa na sua alocução, antes de rezar o Angelus na Festa da Sagrada Família.

Peregrinos e turistas de várias partes do mundo lotam as ruas de Roma nestes dias. O tempo instável não impediu que milhares deles  - 20 mil segundo a Gendarmaria - fossem à Praça São Pedro para o tradicional encontro dominical com Francisco, o último de 2023. E precisamente dirigindo-se a eles, recordou que o Evangelho de Lucas (Lc 2,22-40) apresenta a Sagrada Família de Jesus, Maria e José no templo de Jerusalém para a apresentação do Menino ao Senhor.

"Vemos que a Sagrada Família chega ao templo e leva como presente a oferta mais humilde e simples entre aquelas previstas, o testemunho da sua pobreza. São pobres", observou Francisco, recordando que Maria recebeu uma profecia: “Quanto a ti, uma espada te trespassará a alma”:

Chegam na pobreza e saem com uma carga de sofrimento. Isto suscita surpresa: mas como, a Família de Jesus, a única família na história que pode vangloriar-se da presença de Deus em carne e osso, em vez de ser rica é pobre! Em vez de ser facilitada, parece obstada! Em vez de estar privada do cansaço, está imersa em grandes dores!

E o que essa situação diz às nossas famílias? -, pergunta o Santo Padre. "Uma coisa muito bonita", responde, para então explicar:

Deus, que muitas vezes imaginamos estar além dos problemas, veio habitar a nossa vida com os nossos problemas. Ele salvou-nos assim, vivendo  no meio a nós, não veio já adulto, mas muito pequeno; viveu em família, filho de uma mãe e de um pai; lá passou a maior parte de seu tempo, crescendo, aprendendo, numa vida feita de quotidianidade, escondimento e silêncio. E não evitou as dificuldades, antes pelo contrário, ao escolher uma família, uma família “especialista em sofrimento”, diz às nossas famílias

“Se vos encontreis em dificuldades, sei bem o que sentem, eu já vivi isso: eu, minha mãe e meu pai vivemos isso para dizer também à tua família: vocês não estão sozinhos!”

José e Maria "estavam admirados com o que diziam a respeito dele”,  e esta "capacidade de admirar-se" foi destacada pelo Papa, que disse ser "um segredo para seguir em frente bem em família", que não nos devemos habituar à banalidade das coisas, "mas deixarmo-nos antes de tudo maravilhar por Deus, que nos acompanha."

Esta mesma admiração também é bela quando acontece na família, quando um dos cônjuges pega o outro pela mão, olha-o nos seus olhos por alguns instantes, com ternura:

“A admiração leva-te sempre à ternura. É bela a ternura no casamento.”

Mas não só entre o casal, maravilhares-te também com o milagre da vida, dos filhos, encontrando tempo para brincar com eles e ouvi-los:

Eu pergunto a vós, pais e mães: vocês encontram tempo para brincar com os vossos filhos? Para levá-los a passear? Ontem falei com uma pessoa ao telefone e perguntei-lhe: “Onde está?” – “Eh, estou na praça, trouxe os meus filhos para passear”. Esta é uma bela paternidade e maternidade.

E depois - acrescentou Francisco - maravilharem-se também com a sabedoria dos avós:

Tantas vezes tiramos os avós fora da vida. Não: os avós são fontes de sabedoria. Aprendamos a maravilhar-nos com a sabedoria dos nossos avós, com a sua história.

E por fim, maravilhar-nos com a nossa própria história de amor:

Cada um de nós tem a sua e o Senhor fez-nos caminhar com amor: maravilharmo-nos com isto. E também, a nossa vida certamente tem aspecos negativos, mas maravilharmo-nos também com a bondade de Deus a caminhar connosco, mesmo que sejamos tão inexperientes.

Que Maria, Rainha da família - disse ao concluir - nos ajude a maravilharmo-nos: "Peçamos hoje a graça do estupor. Que Nossa Senhora nos ajude a maravilhar-nos cada dia com o bem e a saber ensinar aos outros a beleza do estupor.

Vatican News

Papa: a Igreja aprende a gratidão e a esperança da Virgem Mãe

 

 Ícon da Virgem Amamentando ou Virgem do Leite (em latim: Madonna Lactans 
 

"O cristão, como Maria, é um peregrino de esperança": no final da tarde deste domingo, 31 de dezembro de 2023, o Santo Padre presidiu as Primeiras Vésperas da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, com o canto do Te Deum, em ação de graças pelo ano que passou. no final, Francisco dirigiu-se à Praça de São Pedro onde rezou diante do Presépio.

HOMILIA DO SANTO PADRE
Primeiras Vésperas de Santa Maria, Mãe de Deus e Te Deum

A fé permite-nos viver esta hora de forma diferente de uma mentalidade mundana. A fé em Jesus Cristo, Deus encarnado, nascido da Virgem Maria, dá uma nova maneira de perceber o tempo e a vida. Eu o resumiria em duas palavras: gratidão e esperança.

Alguém poderia dizer: “Mas não é o que todos fazem nesta última noite do ano? Todos agradecem, todos esperam, crentes ou não crentes”. Talvez possa parecer que seja assim, e quem sabe o seja! Mas, na realidade, a gratidão mundana, a esperança mundana são aparentes; falta-lhes a dimensão essencial que é a da relação com o Outro e com os outros, com Deus e com os irmãos. Estão focados no eu, nos seus interesses e assim tem o fôlego curto, não vão além da satisfação e do otimismo.

Pelo contrário, nesta Liturgia, que culmina com o grande hino Te Deum laudamus, respira-se uma atmosfera completamente diferente: a do louvor, da admiração, da gratidão. E isto acontece não pela grandiosidade da Basílica, não pelas luzes e cantos - estas coisas são antes a consequência -, mas pelo Mistério que a antífona do primeiro salmo assim expressou: «Admirável intercâmbio! O Criador da humanidade assumindo corpo e alma, quis nascer de uma virgem; […] nos doou a sua própria divindade."

A liturgia faz-nos entrar nos sentimentos da Igreja; e a Igreja, por assim dizer, aprende-os com a Virgem Mãe.

Pensemos em qual teria sido a gratidão no coração de Maria enquanto olhava para Jesus recém-nascido. É uma experiência que somente uma mãe pode fazer, e que, todavia, nela, na Mãe de Deus, tem uma profundidade única, incomparável. Maria sabe, ela sozinha junto com José, de onde vem aquele Menino. Mas está ali, respira, chora, tem necessidade de comer, de ser coberto, cuidado. O Mistério dá espaço à gratidão, que aflora na contemplação do dom, na gratuitidade, enquanto sufoca na ansiedade de ter e de aparecer.

 A celebração das Primeiras Vésperas da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus 

A Igreja aprende a gratidão da Virgem Mãe. E aprende também a esperança. Poderíamos pensar que Deus a escolheu, Maria de Nazaré, porque no seu coração viu refletida a própria esperança. Aquela que Ele mesmo tinha infundido nela com o seu Espírito. Maria foi sempre repleta de amor, cheia de graça, e por isso é também cheia de confiança e de esperança.

O de Maria e da Igreja não é otimismo, é outra coisa: é fé no Deus fiel às suas promessas (cf. Lc 1,55); e esta fé assume a forma da esperança na dimensão do tempo, poderíamos dizer “em caminho”. O cristão, como Maria, é um peregrino de esperança. E precisamente este será o tema do Jubileu de 2025: “Peregrinos de Esperança”.

Queridos irmãos e irmãs, podemos perguntar-nos: Roma está a preparar-se para se tornar no Ano Santo uma “cidade de esperança”? Todos sabemos que a organização do Jubileu já está em curso há algum tempo. Mas compreendemos bem que, na perspetiva que aqui assumimos, não se trata principalmente disso; trata-se antes do testemunho da comunidade eclesial e civil; testemunho que, mais do que nos eventos, consiste no estilo de vida, na qualidade ética e espiritual da convivência. E então a pergunta pode ser formulada assim: estamos a trabalhar, cada um no próprio âmbito, para que esta cidade seja um sinal de esperança para quem nela vive e para quem a visita?

Um exemplo. Entrar na Praça de São Pedro e ver que, no abraço da Colunata, circulam livre e serenamente pessoas de todas as nacionalidades, culturas e religiões, é uma experiência que traz esperança; mas é importante que seja confirmado por uma bom acolhimento durante a visita à Basílica, bem como nos serviços de informação. Outro exemplo: o fascínio do centro histórico de Roma é perene e universal; mas é preciso que também os idosos ou pessoas com alguma deficiência motora também possam desfrutá-lo; e é preciso que à “grande beleza” correspondam o simples decoro e a normal funcionalidade nos lugares e situações da vida ordinária, quotidiana. Porque uma cidade mais habitável para os seus cidadãos é também mais acolhedora para todos.

Queridos irmãos e irmãs, uma peregrinação, especialmente se for empenhativa, exige uma boa preparação. É por isso que o próximo ano, em que antecede o Jubileu, será dedicado à oração. E que melhor mestra poderíamos ter do que a nossa Santa Mãe? Coloquemo-nos na sua escola: aprendamos dela a viver em cada dia, em cada momento, em cada ocupação com o olhar interior voltado para Jesus. alegrias e tristezas, satisfações e problemas. Tudo na presença e com a graça de Jesus, o Senhor. Tudo com gratidão e esperança.

VN

Apelo do Papa: continuemos a rezar por quem sofre pelas guerras

Pessoas de mãos dadas tendo ao fundo cenário de destruição em Rafah, sul da Faixa de Gaza. (Foto da AFP)  (AFP or licensors)
  

Francisco, nas suas saudações após o último Angelus de 2023, volta a falar do sofrimento de quem vive em países devastados pela violência: “Quem tem interesse nestes conflitos ouça a voz da consciência”. O seu pensamento vai então para Bento XVI, um ano após a sua morte, “para ele muito carinho e gratidão”, e para a família “célula fundamental da sociedade, deve ser defendida e apoiada”.
 

Francesca Sabatinelli – Cidade do Vaticano

A guerra e os horrores dos conflitos que marcaram o ano de 2023 fluem nas palavras de Francisco que, da janela do Palácio Apostólico, oferece a sua última saudação deste ano que está prestes a terminar. As suas palavras são dramáticas, a começar pela violência do Natal na Nigéria, onde em vários locais do Estado de Plateau, na parte central do país, pelo menos 170 pessoas foram mortas em ataques de grupos armados:

Infelizmente, a celebração do Natal na Nigéria foi marcada por graves violências no Estado de Plateau, com muitas vítimas. Rezo por eles e suas famílias. Que Deus livre a Nigéria destes horrores!

Francisco menciona ainda o dramático acidente ocorrido na Libéria, onde mais de 40 pessoas morreram devido à explosão de um navio-tanque. As suas palavras dirigem-se então a todos aqueles povos que vivem conflitos dramáticos:

Continuemos a rezar pelos povos que sofrem por causa das guerras: o martirizado povo ucraniano, os povos palestino e israelita, o povo sudanês e muitos outros. No final de um ano, tenhamos a coragem de perguntar: quantas vidas humanas foram perdidas em conflitos armados? Quantos mortos? E quantas destruições, quanto sofrimento, quanta pobreza? Quem tem interesse nestes conflitos, ouça a voz da consciência. E não esqueçamos os martirizados Rohingya!

Há um ano faleceu Bento XVI, e por ele Francisco, recordando o seu grande amor pela Igreja, pede aplausos:

Há um ano o Papa Bento XVI concluía o seu caminho terreno, depois de ter servido a Igreja com amor e sabedoria. Temos por ele tanto afeto, tanta gratidão, tanta admiração. Do Céu nos abençoe e nos acompanhe. E um aplauso para Bento XVI!

Ao saudar os peregrinos presentes na Praça de São Pedro, Francisco dirige por fim uma mensagem especial a todas as famílias, quer para aquelas presentes na praça como às que o acompanham ao partir de casa, para reiterar o seu insubstituível papel na sociedade.

Não esqueçamos que a família é a célula fundamental da sociedade: devemos sempre defendê-la e apoiá-la, sempre!

VN

27 dezembro 2023

O Papa: nunca se deve dialogar com o diabo, é importante guardar o coração

 
 
Na catequese da Audiência Geral desta quarta-feira, Francisco disse que "Deus coloca os progenitores como senhores e custódios da criação, mas quer preservá-los da presunção da omnipotência, de se tornarem senhores do bem e do mal. Que uma tentação. Uma tentação má até mesmo agora. Esta é a armadilha mais perigosa para o coração humano"!
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco introduziu um ciclo de catequeses sobre o tema "Vícios e virtudes. Guardar o coração", na Audiência Geral desta quarta-feira (27/12), realizada na Sala Paulo VI.

Francisco partiu do "início da Bíblia, onde o livro do Génesis, com a narrativa dos progenitores, apresenta a dinâmica do mal e da tentação". "No quadro idílico representado pelo Jardim do Éden, aparece um personagem que se torna o símbolo da tentação: a serpente. Este personagem que seduz. A serpente é um animal insidioso: ela move-se lentamente, rastejando pelo chão, e às vezes não se percebe nem mesmo a sua presença, é silencioso, pois consegue mimetizar-se bem com o ambiente. Sobretudo por isso é perigosa", frisou o Papa.

Presunção da Omnipotência

"Ao começar a dialogar com Adão e Eva demonstra também uma dialética refinada. Começa como se faz nas criticas maldosas, com uma pergunta maliciosa: "É verdade que Deus vos proibiu de comer do fruto de toda árvore do jardim?". A frase é falsa: Deus, na realidade, ofereceu ao homem e à mulher todos os frutos do jardim, exceto os de uma árvore específica: a árvore do conhecimento do bem e do mal", disse ainda Francisco, acrescentando:

Esta proibição não pretende proibir ao homem o uso da razão, como às vezes é mal interpretada, mas é uma medida de sabedoria. Como se dissesse: reconheça o limite, não se sinta dono de tudo, porque o orgulho é o início de todos os males.

“Portanto, Deus coloca os progenitores como senhores e custódios da criação, mas quer preservá-los da presunção da omnipotência, de se tornarem senhores do bem e do mal. Que é uma tentação. Uma tentação má até mesmo agora. Esta é a armadilha mais perigosa para o coração humano!”

"Como sabemos, Adão e Eva não conseguiram resistir à tentação da serpente. A ideia de um Deus não tão bom, que queria mantê-los submissos, insinuou-se nas suas mentes: daí o colapso de tudo", sublinhou o Pontífice.

"Com estas narrativas, a Bíblia explica-nos que o mal não começa no homem de uma forma clamorosa, quando um ato já é concreto, mas muito antes, quando começamos a entretermo-nos com ele, a acalmá-lo na imaginação e nos pensamentos, terminando por ser enredado pelas suas lisonjas. O assassinato de Abel não começou com uma pedra atirada, mas com o rancor que Caim infelizmente guardava, fazendo com que ele se tornasse um monstro dentro de si. Também neste caso, as recomendações de Deus são inúteis", disse ainda o Papa.

Não dialogar com o diabo

A seguir, o Santo Padre disse que "com o diabo não se dialoga. Nunca! Não se deve discutir, nunca. Jesus nunca dialogou com o diabo. Expulsou-o. E no deserto com as tentações não respondeu com diálogo, simplesmente respondeu com as palavras da Sagrada Escritura. Com a palavra de Deus".

“Fiquem atentos! O diabo é um sedutor. Nunca dialogar com ele porque ele é mais esperto do que nós, e nos fará pagar. Quando vem uma tentação, não dialogar nunca, mas fechar a porta, fechar a janela, fechar o coração e assim defendemo-nos dessa sedução, porque o diabo é astuto, é inteligente.”

Procurou tentar Jesus usando até mesmo citações bíblicas! Ele tornou-se um grande teólogo lá. Com o diabo não se dialoga e com a tentação não nos devemos entreter. Não se dialoga. Quando vem a tentação fechemos a porta. Guardemos o coração.

Francisco disse ainda que "é preciso ser custódios do próprio coração e por isso, não dialogamos com o diabo". Segundo ele, esta "é a recomendação que encontramos em vários Padres, nos santos, guardar o coração. Devemos pedir essa graça de aprender a guardar o coração. Isto é sabedoria". "Que o Senhor nos ajude neste trabalho. Quem guarda o seu coração guarda um tesouro. Irmãos e irmãs, aprendamos a guardar o coração", concluiu.

VN

FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ

 



 
 
Neste Domingo a Igreja celebra a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José.

Há tempos atrás, consegui ver o filme “Som da Liberdade”, com uma, (mais uma), interpretação extraordinária de Jim Caviezel, o actor que fez o papel de Jesus Cristo no filme “A Paixão de Cristo” e que, segundo o próprio, mudou totalmente a sua vida.

E porque refiro este filme quando me lembro da Festa da Sagrada Família?

O filme retrata com uma crueza e uma realidade impressionantes, o rapto de crianças, que depois são vendidas, usadas e abusadas em redes de pedofilia internacional.

O filme impressionou-me fortemente e por algumas vezes me vieram as lágrimas aos olhos, mais ainda se nos lembrarmos que retrata uma história real.
Deixou-me uma sensação de impotência, raiva, de tal modo que quase me apetecia voltar a ter uma G3 na mão, (como na Guiné), e fazer “justiça” pelas minhas próprias mãos, se tal fosse possível.
Deus me perdoe, porque é muito difícil perdoar a esta gente, que trata assim as crianças.

As famílias daquelas, ou melhor, destas crianças, porque o pesadelo continua com certeza, sofrem horrivelmente este horror e estas crianças, mesmo que sejam resgatadas, não voltam a ser crianças na sua inocência de meninos e meninas.

Celebrando a Festa da Sagrada Família, não posso deixar de pensar nestas crianças e nestas famílias e, levantar uma prece sentida, profunda, emocionada, a Jesus, Maria e José, para que no amor que OS une continuamente, pois é o amor infinito e eterno de Deus, toque estas crianças, estas famílias, para que nesse amor encontrem algum consolo.

Peço também à Sagrada Família, (embora confesso que com dificuldade), que esse mesmo infinito amor toque os corações dos homens que praticam tais actos, os que raptam e os que abusam, para que percebam que a inocência das crianças é intocável, e que «melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar um só destes pequeninos.» Lv 17, 2

Só acreditando na infinita misericórdia de Deus, algum consolo vem ao meu coração perante a recordação desta história, infelizmente sem fim, pois acredito firmemente que estas crianças e estas famílias estão no colo de Deus, embora possam não o saber por agora.

Que a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José, nos exorte a sermos mais família de amor e união, nas nossas famílias e na família de Deus, que é a Igreja.



Marinha Grande, 27 de Dezembro de 2023
Joaquim Mexia Alves
 

25 dezembro 2023

SER NATAL




 
Hoje em dia diz-se e escreve-se muito que “eu sou isto ou aquilo”, conforme as causas que se defendem.

Pois hoje eu quero dizer e escrever que “eu sou Natal”!

Ou melhor, que eu quero ser Natal em mim e para os outros.

Ou seja, quero reflectir, testemunhar o amor de Jesus Cristo em mim, que apenas pode crescer, se eu o viver como amor aos outros.

Eu querer ser Natal assim, quero, mas para isso tenho que tentar sempre e cada vez mais, ser comunhão em Cristo, em Igreja, para reflectir o amor de Deus em mim, aberto a todos os que O querem encontrar.

E só O podem encontrar se eu for servo inútil do Seu amor, porque eu apenas O pude encontrar porque outros O reflectiram e testemunharam para mim.

Por isso eu só posso ser Natal para os outros, porque outros foram Natal para mim.

E esses só foram Natal para mim, porque Jesus Cristo se quis fazer Natal para todos.


«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.»



Marinha Grande, 25 de Dezembro de 2023
Joaquim Mexia Alves
 

24 dezembro 2023

Patriarcado de Lisboa - Homilia da Noite de Natal

 

Homilia da Noite de Natal

Sé Patriarcal de Lisboa, 24 de dezembro 2023

 

1. Aproximando-nos do mistério que o Natal celebra, e o Presépio retracta, acolhamos o grito imortal, «não temais», proclamado nos campos da Judeia, na noite do nascimento do Salvador, e eternamente entoado ao longo das duras e incertas horas noturnas da história.

Não temais: a força da vida nova que o Menino do presépio oferece, para inaugurar uma nova manhã na vida da humanidade, e de cada um de vós, sem guerras, sem orgulho e sem inveja; uma nova manhã a despontar sobre as noites solitárias de Deus para transformar todas as solidões do mundo.

Não tenhais medo: da força do amor que o Menino quer infundir a todos, para ser, finalmente, o amor, o critério e a medida, da aproximação aos outros, à existência e a todas as criaturas.

Perante o Menino de Belém, não houve e não há, prepotência que resista, nem indiferença que prevaleça, mas sim o singular mistério da assunção da realidade humana por parte de Deus; assume-a para a transformar. Como clamavam os Padres, só o que fora assumido pelo Verbo, será salvo, e foi a realidade de cada um, homem ou mulher; doente ou saudável; rico ou pobre que o Verbo assumiu para a transformar e redimir.


2. Assim, na pessoa do Menino de Belém encontramos o realismo da vulnerabilidade humana, a fragilidade própria de quem, sozinho ou isolado, nada pode, nem sequer sobreviver, mas depende totalmente dos outros.

Em Cristo Menino, contemplamos essa fragilidade própria da humanidade, pelo que a dependência dos outros é o rosto de todas as limitações à autossuficiência. Mas n’Ele estão também presentes as marcas da morte e visíveis os efeitos do pecado. A assunção da natureza humana, pelo Verbo, comporta fazer sua a inevitabilidade da morte, expressa na forma da manjedoira, antecipação da sepultura, e ela própria evocativa da exclusão, por não haver espaço para eles na hospedaria, logo do pecado.

Contudo, o Menino transformou esse lugar de trevas, em fulgor de luz, porque os tornou lugar de alimento e de comunhão, a nova claridade da manhã inaugural da redenção. Ele revela-nos que ninguém foi criado para estar sozinho; e, a partir dessa nascente de vida com os outros, instituiu a comunhão como a máxima realização da condição dos homens, enquanto criaturas, porque os constituiu como Seu próprio Corpo, e fez da comunidade a epifania da sua presença no meio de nós.

No nascimento de Jesus, as fraquezas dos homens assumidas poe Ele, tornaram-se forças construtoras de história.

Hoje, as debilidades que mergulham a humanidade nos calafrios da incerteza e, por vezes, da indignidade exprimem-se em guerras fratricidas, que nem o lugar histórico do nascimento de Jesus respeita. A crescente e alarmante crise ética, está a conduzir ao esvaziamento do rosto cristalino do bem, do bom e do verdadeiro, e vai-nos mergulhando no engano do relativismo e da anarquia…

E, contudo, a certeza de que o Menino de Belém não veio ao mundo apenas trazer exortações de boa conduta moral, mas para assumir as contradições da história, os paradoxos dos homens e as tragédias do mundo revela que a redenção das trevas para alcançar a luz é a vocação de tudo o que existe. Nada vive ou é para a perdição, mas tudo e todos está chamado à Salvação.


3. Em segundo lugar, esta noite está marcada pelo dinamismo do caminho que envolve todas as personagens do evangelho. José e Maria, vieram de Nazaré, da Galileia, até Belém, na Judeia; os Pastores, dos campos da pastorícia, até aos arrabaldes da Cidade; os próprios Anjos celestes desceram das Alturas para as planícies dos arredores de Belém; até o edito de César Augusto, viajou de Roma até à Palestina.

Homo Viator, uma expressão de reconhecimento da natureza do ser humano, enquanto peregrino, na medida em que no caminhar realiza uma substancial parte de si mesmo, seja física, seja espiritualmente. No Menino de Belém, o próprio Deus se faz mendigo, caminhante ao encontro da humanidade. Ele não irrompe no mundo como um dominador todo-poderoso, para, com a mobilização dos Exércitos celestes, conquistar o território do coração dos homens, já ocupado por forças inimigas, adversas à vida e à dignidade da pessoa, e implantar as suas leis de verdade, de amor e de fraternidade. Não! Aparece como um pobre entre os pobres, na periferia de uma cidade periférica, que nem os vizinhos conheciam bem. E, em vez de se impor, propõe-se com a pedagogia da atração. Quer atrair todos a si, e por isso vem como criança, indefesa, débil, mas criança, porque ninguém é indiferente à criança desamparada e Ele, no recém nascido do presépio, quer vencer a indiferença e conquistar os corações, atraindo-os a si, na liberdade, não na imposição.

O Natal, portanto, consagra, definitivamente, a perpetuidade da vinda eterna de Deus até nós como artigo fundamental da nossa fé, porque nos impele a considerar, com a mesma relevância da certeza de que Deus existe, o facto certo de que vem ao nosso encontro, para caminhar e estar connosco.

A vida cristã é caminho para Deus, progredindo no amor e na santidade, e para os irmãos, em atitude de serviço e dádiva no anúncio redentor da Boa Nova, ou na oferta da própria vida para que outros vivam.


4. “Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador.”, não em berço dourado, mas numa manjedoura, o retrato vivo da discriminação, mas que foram as suas palhas que o acolheram e aconchegaram o seu frágil corpo. Que magnífico panorama de simplicidade, de pobreza e de amor que só faz sobressair a verdadeira e desconcertante riqueza da nossa alegria e da nossa esperança: é o próprio Deus feito Homem; feito um de nós. Cristo irrompeu no tempo para inaugurar um novo tempo do mundo e da vida de cada ser humano.

Do mundo, porque deixou de ser possível conceber o mundo sem Deus, e sem Cristo. Delinear a sociedade ou a história sem Eles é puro engano, porque deturpa a própria verdade da pessoa, enquanto construtora de história e de mundo. O Verbo do Pai fez-Se homem, assumiu um corpo no qual está presente toda a deslumbrante vida da criação, firmando, assim, uma presença perene e indestrutível no próprio mundo. Por isso, o cântico de paz que, naquela memorável noite do Nascimento, o coro dos anjos entoa, continua a maravilhar a história e a vida dos pobres, e a transformar o sentido dos acontecimentos, mesmo dos mais complexos, em pautas de louvor e glória a Deus.

Mas inaugura, igualmente, uma nova e definitiva etapa de vida para cada homem e para cada mulher. De facto, se já não é possível conceber o mundo sem Deus, com maior razão, pela força da união substancial do Verbo divino com a natureza humana, não é possível uma humanidade privada d’Ele. E todos os projetos de sociedade ou de civilização, que prescindiram de Deus, fracassaram.

Cristo o homem novo, que inaugurou a derradeira e definitiva humanidade, centrada no primado do Pai e movida pelo sopro do Espírito. Ele selou uma aliança de amor com cada homem e com cada mulher, de tal modo intensa e íntima que é no seu mistério messiânico que se desvenda o próprio mistério pessoal e existencial de cada pessoa. Pela encarnação, onde está o ser humano, aí está Cristo.


5. Olha para a tua vida, para o teu coração, e vê o quanto Cristo ama estar connosco, por isso veio até nós e entrou para sempre nas nossas vidas. Disponibiliza-te a acolhê-l’O, a seres como os panos que o envolveram e deram aconchego. «Encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos», advertiram os mensageiros aos pastores, a propósito do nascimento de Jesus em Belém; mas também no Getsémani, na Páscoa (cf Mt 27, 59), o seu corpo será envolvido num lençol.

Nesses panos, estamos nós e está a realidade da nossa condição: somos pano, não linho fino tecido a ouro e ornamentado com pedras preciosas, mas puro e humilde pano; e é assim que o Senhor quer ser envolvido por nós, com a nossa história, às vezes simples e linear, outras complexas e difíceis, e pela nossa condição. Quer que o envolvamos, e nos envolvemos com Ele.

Esse envolvimento constitui o sinal de reconhecimento do Messias «Isto vos servirá de sinal, encontrareis um Menino envolto em panos.»

Caros irmãos, quem sabe se as dificuldades da evangelização, hoje, não esteja na dificuldade de testemunharmos a nossa ligação com Cristo; o compromisso da nossa vida com Ele!? Não basta falar de Cristo, é preciso ser testemunha visível e verdadeira do nosso envolvimento com Ele, para que seja reconhecido como Senhor da história!


† RUI, Patriarca de Lisboa

Patriarcado de Lisboa

O Papa: Natal, inaudita ternura de Deus que salva o mundo encarnando-se

 

  O Papa Francisco durante a missa da noite de Natal  

"Como os pastores que deixaram os seus rebanhos, deixa o recinto das tuas melancolias e abraça a ternura do Deus Menino. Sem máscaras nem couraças, confia-Lhe os teus cansaços, e Ele cuidará de ti: Ele, que se fez carne, espera, não as tuas performances de sucesso, mas o teu coração aberto e confiado", disse Francisco na sua homilia da missa da noite de Natal.

 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco presidiu a missa da noite de Natal, neste domingo (24/12), na Basílica de São Pedro.

Francisco iniciou a sua homilia, enfatizando as seguintes palavras do Evangelista Lucas: «O recenseamento de toda a terra». "Este é o contexto em que nasce Jesus e no qual se detém o Evangelho. Podia limitar-se a uma rápida alusão, mas ao contrário fala dele com grande esmero. Assim, faz surgir um grande contraste: enquanto o imperador conta os habitantes do mundo, Deus entra nele quase às escondidas; enquanto quem manda procura colocar-se entre os grandes da história, o Rei da história escolhe o caminho da pequenez. Nenhum dos poderosos dá conta d’Ele; apenas alguns pastores, colocados à margem da vida social", disse o Papa.

"Nesta noite, irmãos e irmãs, podemos perguntar-nos: Em que Deus acreditamos? No Deus da encarnação ou no da performance? Sim, porque há o risco de viver o Natal tendo na cabeça uma ideia pagã de Deus, como se fosse um patrão poderoso que está no céu; um deus que se alia com o poder, o sucesso mundano e a idolatria do consumismo", sublinhou Francisco.

Fixemos o Menino, olhemos para a sua manjedoura

O Pontífice convidou a olhar para o «Deus vivo e verdadeiro». "Ele que está para além de todo o cálculo humano, no entanto, deixa-se recensear pelos nossos registos; Ele que revoluciona a história, habitando nela; Ele que nos respeita até ao ponto de nos permitir rejeitá-Lo; Ele que apaga o pecado assumindo a responsabilidade pelo mesmo, que não tira a dor, mas a transforma, que não nos tira os problemas da vida, mas dá às nossas vidas uma esperança maior do que os problemas. Deseja tanto abraçar as nossas existências que, sendo infinito, por nós se fez finito; grande, se fez pequeno; sendo justo, habita as nossas injustiças", disse ainda o Papa, acrescentando:

Aqui está a maravilha do Natal: não é uma mistura de sentimentos adocicados e confortos mundanos, mas a inaudita ternura de Deus que salva o mundo encarnando-se. Fixemos o Menino, olhemos para a sua manjedoura, para o presépio, que os anjos chamam «o sinal»: realmente constitui o sinal revelador do rosto de Deus, que é compaixão e misericórdia, omnipotente sempre e só no amor.

Carne, uma palavra que evoca a nossa fragilidade

O Pontífice convidou a deixamosmo-nos "surpreender por Ele ter-se feito carne. Carne! Uma palavra que evoca a nossa fragilidade e que o Evangelho utiliza para nos dizer como Deus entrou profundamente na nossa condição humana".

"Irmão, irmã, para Deus, que mudou a história durante o recenseamento, tu não és um número, mas um rosto; o teu nome está escrito no seu coração", sublinhou o Papa.

Como os pastores que deixaram os seus rebanhos, deixa o recinto das tuas melancolias e abraça a ternura do Deus Menino. Sem máscaras nem couraças, confia-Lhe os teus cansaços, e Ele cuidará de ti: Ele, que se fez carne, espera, não as tuas performances de sucesso, mas o teu coração aberto e confiado. E n’Ele descobrirás quem és: um filho amado de Deus, uma filha amada de Deus. Agora podes acreditar nisto, porque, nesta noite, o Senhor nasceu para iluminar a tua vida, e os olhos d’Ele cintilam de amor por ti.

A adoração é a forma de acolher a encarnação

"Sim, Cristo não olha para os números, mas para os rostos. Contudo quem é que olha para Ele, por entre as inúmeras coisas e as corridas loucas de um mundo sempre agitado e indiferente? Em Belém, enquanto muitas pessoas, preocupadas com o recenseamento, iam e vinham, enchiam as hospedarias e pousadas falando de tudo e de nada, houve alguns que estiveram junto de Jesus: Maria e José, os pastores e depois os magos. Aprendamos com eles. Ei-los com o olhar fixo em Jesus, com o coração voltado para Ele; não falam, mas adoram."

A adoração é a forma de acolher a encarnação, porque é no silêncio que Jesus, Palavra do Pai, Se faz carne nas nossas vidas. Façamos nós também como se fez em Belém, que significa «casa do pão»: permaneçamos diante d’Ele, Pão da vida. Redescubramos a adoração, porque adorar não é perder tempo, mas permitir a Deus que habite o nosso tempo; é fazer florescer em nós a semente da encarnação, é colaborar na obra do Senhor, que, como o fermento, muda o mundo; é interceder, reparar, consentir a Deus que endireite a história.

O Papa concluiu a sua homilia, dizendo que "nesta noite, o amor muda a história. Fazei, Senhor, que acreditemos no poder do vosso amor, tão diverso do poder do mundo. Fazei que, à semelhança de Maria, José, os pastores e os magos, nos estreitemos ao vosso redor para Vos adorar. Feitos por Vós mais semelhantes a Vós, poderemos testemunhar ao mundo a beleza do vosso rosto".

VN

Mensagem de Natal do Patriarca de Lisboa

 
 

Mensagem de Natal do Patriarca de Lisboa

D. Rui Valério

 

Caros amigos,

Obrigado por dispensarem algum do vosso tempo para me escutar. 


Uma abençoada noite, seja em casa, no aconchego da família, ou no cumprimento do dever profissional e social; num hospital, num Lar de idosos ou em casas de acolhimento para crianças e jovens; em viagem ou em condições de doença e debilidade; em companhia de outras pessoas ou na solidão do esquecimento. Um Feliz e Santo Natal na comunhão com Deus invisível, mas presente no coração de cada um.


1. Chegamos ao Natal com a amarga sensação de que o projeto de civilização inaugurado pelo próprio nascimento de Jesus Cristo, e maturado ao longo dos séculos, está a regredir.

As guerras em curso, na Ucrânia, no Médio-Oriente, ou na República Centro Africana; a crise ecológica mundial; a tragédia do não-acolhimento dos migrantes… são sintomas disso mesmo.

Também no nosso país, as notícias do aumento da pobreza, do número de famílias que, na labuta do dia-a-dia, têm cada vez mais dificuldade em fazer face às necessidades básicas são sinais de um país que dificilmente consegue estar à altura de dar uma vida digna aos seus cidadãos: de lhes proporcionar os devidos cuidados de saúde e de habitação; uma educação condigna, onde haja professores e condições para ensinar e aprender, enfim, de abrir perspetivas de futuro para todos.


2. Evoco estas circunstâncias porque, desde o anúncio profético que declarava “a Luz brilhou nas trevas”, que o Natal, precisamente, nos move a considerar os inóspitos panoramas humanos e existenciais, porque é aí, sempre aí, nos estábulos da exclusão, nas manjedouras da marginalização e nas periferias da noite que o Filho de Deus nasce.

Num dos seus poemas mais conhecidos sobre o Natal, Fernando Pessoa evoca a chuva e a neve que fazem mal e o frio que ainda é pior, como se nos lançasse um convite para olhar e revisitar as geografias rigorosas do ser humano – da sua vida e da sua história – e também da sociedade: porque é aí, nessas paisagens hostis, que surge a incontestável beleza e alegria.

Sim, é nos não-lugares que Jesus Cristo nasce incessantemente. Nos escombros de projetos fracassados, nas ruínas de sonhos desvanecidos, Deus faz-se homem;

o seu Verbo irrompe para inaugurar caminhos de esperança e de vida;

para estabelecer Pontes de encontro com todos, todos, todos;

é Ele, Fonte de toda a proximidade que faz brilhar a luz do amor que dissipa as trevas do ódio;

é o Caminho que nos mobiliza para a cultura da paz, da bondade e da concórdia.


3. O Natal, portanto, convoca o melhor do ser humano, e sintoniza-nos com o que de mais belo ele é capaz: é capaz do conhecimento sublime de Deus como Pai, e de cada um se ver como irmão e irmã;

é capaz de compaixão por quem sofre e se sente derrotado da vida;

é capaz de amar o próximo e de por ele dar a sua própria vida;

é capaz de abraçar a causa do ser humano, pela sua liberdade, pela paz no mundo, e combater por ela, sujeitando-se a todos os sacrifícios.

Sim, o Natal convoca o melhor que temos porque Jesus, o Emanuel, é o Deus connosco.


4. Mas, o Natal vai mais além: independentemente da etnia e da cultura, o mundo inteiro vê confirmado o Projeto de Deus na humanidade. Ele não desiste das pessoas. Sente-se a força de uma confiança renovada em cada um, em cada mulher e em cada homem. Ele próprio se faz homem, faz-se um de nós, em todas as circunstâncias da Vida.

Na sua caminhada histórica e espiritual, a humanidade sempre intuiu que a identificação de um “Eu” a um “tu” era a forma suprema e sublime do amor.

Assim, quando o próprio Deus se faz homem, em Jesus Cristo, se identifica connosco, estamos perante a mais pujante afirmação de confiança na humanidade e na presença da mais bela declaração de amor aos homens e mulheres por Ele amados. E, pressentimos que só o amor é decisivo para afirmar, promover e salvaguardar a dignidade dos seres humanos criados à sua imagem e semelhança.

Que as luzes das cidades não ofusquem a Verdadeira Luz trazida pelo Deus Menino, Ele que é a Luz do mundo.


Um Santo e Feliz Natal.

† RUI, Patriarca de Lisboa


O Papa: pensemos em todos com a gentileza de Deus, em quem é marginalizado

 
 
Neste IV Domingo do Advento, o Evangelho apresenta-nos a cena da Anunciação. O anjo, para explicar a Maria como ela conceberá Jesus, diz-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra». O Papa deteve-se na imagem da sombra recorrente na Bíblia. "A sombra fala da gentileza de Deus", disse ele. "A sombra é um dom que restaura", sublinhou.
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco rezou a oração mariana do Angelus deste domingo, 24 de dezembro, Vigília de Natal, com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.

Neste IV Domingo do Advento, o Evangelho apresenta-nos a cena da Anunciação. O anjo, para explicar a Maria como ela conceberá Jesus, diz-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra». Então, o Papa deteve-se na imagem da sombra.

 A sombra é um dom que restaura

Segundo Francisco, "numa terra como a de Maria, perpetuamente ensolarada, uma nuvem passageira, uma árvore que resiste à seca e oferece abrigo, uma tenda hospitaleira traz alívio e proteção. A sombra é um dom que restaura, e o anjo descreve exatamente o modo como o Espírito Santo desce sobre Maria, o modo de Deus fazer as coisas: Deus age sempre como um amor gentil que abraça, fecunda e protege, sem fazer violência, sem ferir a liberdade. Assim, é a maneira de agir de Deus".

“A imagem da sombra que protege é uma imagem recorrente na Bíblia. Pensemos na sombra que acompanha o povo de Deus no deserto. A sombra fala, em suma, da gentileza de Deus. É como se Ele dissesse a Maria, mas também hoje, a todos nós: "Estou aqui para ti e ofereço-me como teu refúgio e teu abrigo:  vem sob a minha sombra, fica comigo".”

Pensar em quem está longe da alegria do Natal

"Irmãos e irmãs, é assim que o amor fecundo de Deus se comporta. É algo que, de certa forma, também podemos experimentar entre nós, por exemplo, quando entre amigos, namorados, cônjuges, pais e filhos, somos delicados e respeitosos, cuidando dos outros com gentileza. Pensemos na gentileza de Deus", disse ainda o Papa.

“Deus ama assim e chama-nos para fazer o mesmo: acolhendo, protegendo e respeitando os outros. Pensar em todos, pensar em quem é marginalizado, em quem está longe nestes dias da alegria do Natal. Pensemos em todos com a gentileza de Deus. Lembrem-se desta palavra: a gentileza de Deus.”

A seguir, Francisco convidou cada um a perguntar na Vigília de Natal, a nós mesmos: "Quero deixar-me envolver pela sombra do Espírito Santo, pela doçura e mansidão de Deus, pela gentileza de Deus, abrindo-lhe espaço no meu coração, aproximando-me do seu perdão, da Eucaristia? E depois: para quais pessoas sozinhas e necessitadas eu poderia ser uma sombra que restaura, uma amizade que consola?"

"Que Maria nos ajude a ser abertos e acolhedores para com a presença de Deus, que com mansidão vem salvar-nos", concluiu.    

VN

O Papa: pensemos em todos com a gentileza de Deus, em quem é marginalizado

  

Neste IV Domingo do Advento, o Evangelho apresenta-nos a cena da Anunciação. O anjo, para explicar a Maria como ela conceberá Jesus, diz-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra». O Papa deteve-se na imagem da sombra recorrente na Bíblia. "A sombra fala da gentileza de Deus", disse ele. "A sombra é um dom que restaura", sublinhou. 
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco rezou a oração mariana do Angelus deste domingo, 24 de dezembro, Vigília de Natal, com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.

Neste IV Domingo do Advento, o Evangelho nos apresenta a cena da Anunciação. O anjo, para explicar a Maria como ela conceberá Jesus, diz-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra». Então, o Papa deteve-se na imagem da sombra.

 A sombra é um dom que restaura

Segundo Francisco, "numa terra como a de Maria, perpetuamente ensolarada, uma nuvem passageira, uma árvore que resiste à seca e oferece abrigo, uma tenda hospitaleira traz alívio e proteção. A sombra é um dom que restaura, e o anjo descreve exatamente o modo como o Espírito Santo desce sobre Maria, o modo de Deus fazer as coisas: Deus age sempre como um amor gentil que abraça, fecunda e protege, sem fazer violência, sem ferir a liberdade. Assim, é a maneira de agir de Deus".

“A imagem da sombra que protege é uma imagem recorrente na Bíblia. Pensemos na sombra que acompanha o povo de Deus no deserto. A sombra fala, em suma, da gentileza de Deus. É como se Ele dissesse a Maria, mas também a todos nós hoje: "Estou aqui para ti e ofereço-me como teu refúgio e teu abrigo: vem sob a minha sombra, fica comigo".”

Pensar em quem está longe da alegria do Natal

"Irmãos e irmãs, é assim que o amor fecundo de Deus se comporta. É algo que, de certa forma, também podemos experimentar entre nós, por exemplo, quando entre amigos, namorados, cônjuges, pais e filhos, somos delicados e respeitosos, cuidando dos outros com gentileza. Pensemos na gentileza de Deus", disse ainda o Papa.

“Deus ama assim e nos chama a fazer o mesmo: acolhendo, protegendo e respeitando os outros. Pensar em todos, pensar em quem é marginalizado, em quem está longe nestes dias da alegria do Natal. Pensemos em todos com a gentileza de Deus. Lembremo-nos desta palavra: a gentileza de Deus.”

A seguir, Francisco convidou cada um a perguntar a si mesmo na Vigília de Natal: "Quero deixar-me envolver pela sombra do Espírito Santo, pela doçura e mansidão de Deus, pela gentileza de Deus, abrindo-lhe espaço no meu coração, aproximando-me do seu perdão, da Eucaristia? E depois: para quais pessoas sozinhas e necessitadas eu poderia ser uma sombra que restaura, uma amizade que consola?"

"Que Maria nos ajude a ser abertos e acolhedores para com a presença de Deus, que com mansidão vem nos salvar", concluiu.

VN

17 dezembro 2023

O Papa: em Gaza mortos civis inermes, “é o terrorismo, é a guerra”

 
  Papa na janela do apartamento pontifício (Copyright REUTERS/Guglielmo Mangiapane)  
 
Após os disparos do exército israelita contra a Paróquia da Sagrada Família na cidade de Gaza, Francisco volta para rezar pela paz nesta terra martirizada e pronuncia os nomes das vítimas surpreendidas pelo ataque fatal ocorrido "onde há não terroristas, mas famílias, crianças, pessoas doentes e com deficiência, freiras. Uma mãe e a sua filha foram mortas".
 

Antonella Palermo - Cidade do Vaticano

Depois da oração do Angelus na Praça de São Pedro, o Papa Francisco lança mais uma vez um apelo pelo que está a acontecer na Terra Santa, um dia após o ataque israelita contra a Paróquia latina da Sagrada Família na cidade de Gaza, que causou a morte de duas mulheres, mãe e filha: Naheda e Samar.

A dor pela morte de civis

O Pontífice acompanha com apreensão a trágica evolução do conflito no Médio Oriente: “Continuo a receber notícias muito graves e dolorosas de Gaza”, afirma.

Civis inermes são alvo de bombardeamentos e disparos. E isto aconteceu até mesmo dentro do complexo paroquial da Sagrada Família, onde não há terroristas, mas famílias, crianças, pessoas doentes e com deficiência, freiras. Uma mãe e a sua filha, Sra. Nahida Khalil Anton e a sua filha Samar Kamal Anton, foram mortas e outras pessoas feridas por atiradores de elite, enquanto iam à casa de banho... Foi danificada a casa das Irmãs de Madre Teresa, atingido o seu gerador . Alguém diz: “É o terrorismo, é a guerra”. Sim, é a guerra, é o terrorismo. É por isso que as Escrituras afirmam que “Deus faz cessar as guerras... ele partiu os arcos e quebrou as lanças”. Rezemos ao Senhor pela paz.

 Naheda, a mãe que foi morta em Gaza, na paróquia da Sagrada Família 

OMS: o Hospital Al-Shifa, um banho de sangue

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou ter participado  na missão conjunta das Nações Unidas para levar suprimentos médicos e avaliar a situação no Hospital Al-Shifa, em Gaza. A equipe entregou medicamentos e material cirúrgico, equipamento de cirurgia ortopédica, materiais e remédios para anestesia ao hospital, que “atualmente está minimamente funcional”, disse a OMS, citada pelo jornal Haaretz.

O pronto-socorro do Hospital al-Shifa, o maior do norte de Gaza, é “um banho de sangue” e a instalação “precisa de reanimação”, alertou a Organização Mundial da Saúde. A OMS, citada pelo Guardian, afirmou que “dezenas de milhares de pessoas deslocadas estão a utilizar o prédio e os terrenos do hospital para se abrigarem” e que há “uma grave escassez” de água potável e alimentos. As salas de cirurgia não estão a funcionar devido à falta de combustível, oxigênio e outros suprimentos, disse a organização, falando de “centenas de feridos”.

 Samar, filha de Naheda, alvejada por atirador de elite israelense, na Paróquia em Gaza 

Blackout continua em Gaza

O apagão das comunicações telefónicas e dos serviços de Internet em Gaza continua naquele que, até agora, é o período mais prolongado desde o início da guerra. As duas principais companhias da Faixa, Paltel e Jawall, anunciaram o fim dos serviços “devido à agressão israelita” ao enclave palestino na tarde da última quinta-feira e a interrupção está em vigor desde então.

Fontes EUA – citadas pelos meios de comunicação dos Estados Unidos e relatadas pela ANSA – sublinharam a “extrema necessidade” de restabelecimento do serviço, também à luz da tentativa de Israel, acrescentaram, de reduzir as vítimas civis.

VN

Papa no Angelus: mostrar a luz verdadeira, que é Jesus, com o testemunho de vida

No III Domingo do Advento são abençoados os "Bambinelli" que serão colocados nos Presépios  (VATICAN MEDIA Divisione Foto)
 
João Batista ensina pelo menos duas coisas, disse Francisco: Primeiro, que não podemos salvar-nos sozinhos: somente em Deus encontramos a luz da vida. Segundo, que cada um de nós, com o serviço, a coerência, a humildade, com o testemunho de vida – sempre com a graça de Deus – pode ser uma lâmpada que brilha e ajudar os outros a encontrar o caminho para encontrar Jesus".
 

Vatican News

Com o testemunho de vida, sabedores de que só em Deus encontramos a luz da vida, podemos ser uma lâmpada para os outros, ajudando-os a encontrar o caminho que leva a Jesus.

Em síntese foi o que disse o Papa na sua alocução antes de rezar o Angelus neste III Domingo do Advento, chamado de Domingo Gaudete, quando a Liturgia nos convida a um testemunho cristão feliz e alegre. E a inspiração de Francisco, foi precisamente a missão e o testemunho de João Batista, conforme narrado no Evangelho de João (Jo 1,6-8.19-28): "Reflitamos sobre isto: testemunhar a luz."

Dirigindo-se aos milhares de fiés e turistas reunidos na Praça de São Pedro para o tradicional encontro dominical, o Papa começa por explicar que "o Batista é certamente um homem extraordinário. As pessoas acorrem para ouvi-lo, atraídas pelo seu modo de ser, coerente e sincero":

O seu testemunho passa pela franqueza da sua linguagem, a honestidade do comportamento, a austeridade de vida. Tudo isto o diferencia das outros personagens famosos e poderosos da época, que contrariamente, investiam muito na aparência. Pessoas como ele, retas, livres e corajosas, são figuras luminosas e fascinantes: estimulam-nos a elevar-nos da mediocridade e a ser, por sua vez, bons modelos de vida para os outros.

O Senhor - observou o Santo Padre - "envia homens e mulheres deste tipo em todas as épocas". E pergunta: "Sabemos reconhecê-los? Procuramos aprender do seu testemunho, também questionando-nos? Ou deixamo-nos encantar por personagens da moda? João é luminoso enquanto testemunha a luz. Mas, qual é a sua luz?":

Ele mesmo responde-nos quando diz claramente às multidões que foram ouvi-lo, não ser ele a luz, não ser ele o Messias. A luz é Jesus, o Cordeiro de Deus, “Deus que salva”. Somente Ele redime, liberta, cura e ilumina. Por isso João é uma “voz” que acompanha os irmãos à Palavra; serve, sem procurar honras e protagonismos: é uma lâmpada, enquanto a luz é Cristo vivo.

Francisco então, enfatiza que "o exemplo de João Batista nsina pelo menos duas coisas":

Primeiro, que não podemos salvar-nos sozinhos: somente em Deus encontramos a luz da vida. Segundo, que cada um de nós, com o serviço, a coerência, a humildade, com o testemunho de vida – sempre com a graça de Deus – pode ser uma lâmpada que brilha e ajudar os outros a encontrar o caminho para encontrar Jesus.

Então, propõe que nos perguntemos:

Como posso, nos ambientes em que vivo, não num dia distante, mas já agora, neste Natal, ser testemunha de luz, testemunha de Cristo? 

Que Maria, espelho de santidade - disse ao concluir - ajude-nos a ser homens e mulheres que refletem Jesus, luz que vem ao mundo.

VN

15 dezembro 2023

Primeira Pregação do Advento 2023 do cardeal Raniero Cantalamessa

 
 
"Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas acolhe-os, e isto leva os pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são unânimes nisto."

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap

“VOZ DE QUEM CLAMA NO DESERTO

João Batista, o moralista e o profeta

Primeira Pregação do Advento de 2023

Na liturgia do Advento, nota-se uma progressão. Na primeira semana, a figura de destaque é o profeta Isaías, aquele que anuncia de longe a vinda do Salvador; no segundo e terceiro domingos, o guia é João Batista, o precursor; na quarta semana, a atenção concentra-se toda em Maria. Este ano, tendo apenas duas meditações à disposição, pensei dedicá-las aos dois: ao Precursor e à Mãe. Nas iconóstases dos irmãos Ortodoxos, os dois estão um à direita e o outro à esquerda de Cristo e, frequentemente, são apresentados como dois “recepcionistas” dos lados da porta que introduz ao recinto sacro.

João Batista, pregador de conversão

Nos Evangelhos, o Precursor aparece-nos em dois papéis diversos: o de pregador de conversão e o de profeta. Dedico a primeira parte da reflexão a João moralista, a segunda, a João profeta.

Alguns versículos do Evangelho de Lucas são suficientes para nos dar uma ideia da pregação do Batista:

João dizia às multidões que chegavam a ele para serem batizadas: “Crias de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para chegar? Produzi, pois, frutos dignos de vosso arrependimento... As multidões perguntavam-lhe: “Que devemos fazer?”. João respondia: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo!” Alguns publicanos vieram para o Batismo e perguntaram: “Mestre, que devemos fazer?”. Ele respondeu: “Não cobreis além do que foi estabelecido”. Alguns soldados também perguntaram-lhe: “E nós, que devemos fazer?”. João respondeu: “Não maltrateis ninguém, nem tomeis dinheiro à força e contentai-vos com o vosso soldo” (Lc 3,7-14).

O Evangelho permite ver o que distingue, neste ponto, a pregação do Batista daquela de Jesus. O salto de qualidade é expressado do modo mais claro pelo próprio Jesus:

A Lei e os Profetas vigoraram até João! A partir de então, o Reino de Deus é anunciado; e cada um esforce-se para entrar nele (Lc 16,16).

Devemos tomar cuidado com contraposições simplicistas entre Lei e Evangelho. Logo após a afirmação acima citada, Jesus (ou, mais provavelmente, o próprio evangelista) acrescenta: “Ora, é mais fácil passar o céu e a terra do que cair uma só vírgula da Lei” (Lc 16,17). O Evangelho não abole a lei, isto é, concretamente, os mandamentos de Deus; mas inaugura uma relação nova e diversa com eles, um modo novo de observá-los.

O que é novo é a ordem entre o mandamento e o dom, isto é, entre a lei e a graça. À base da pregação do Batista está a afirmação: “Convertei-vos e o reino de Deus virá a vós!”; à base da pregação de Jesus está a afirmação: “Convertei-vos, pois o reino de Deus veio a vós!” (recordemos a afirmação de Jesus acima citada: “A Lei e os Profetas vigoraram até João! A partir de então, o Reino de Deus é anunciado; e cada um esforce-se para entrar nele”).

Não é uma diferença apenas cronológica, como entre um antes e um depois; trata-se de uma diferença também axiológica, isto é, de valor. Quer dizer que não é a observância dos mandamentos que permite ao reino de Deus vir; mas é a vinda do reino de Deus que permite a observância dos mandamentos. Os homens não mudaram improvisamente e se tornaram melhores, de modo que o Reino pôde vir sobre a terra. Não, eles são os de sempre, mas foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou o seu Filho, dando-lhes assim a possibilidade de mudar e viver uma vida nova.

“Pois a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça [de observá-la, entende-se] e a verdade vieram por Jesus Cristo”, escreve o evangelista João (Jo 1,17). Amar a Deus com todo o coração é “o primeiro e maior mandamento”; mas a ordem dos mandamentos não é a primeira ordem, ou o primeiro nível: acima dele, está a ordem do dom: “Nós amamos, porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19).

É interessante ver como esta novidade de Cristo reflete-se na atitude diversa do Batista e de Jesus em relação aos chamados “pecadores”. João, nós ouvimos, aborda os pecadores que vão até ele com palavras de fogo. É mesmo Jesus que faz notar a diferença, neste ponto, entre ele e o Precursor: “Veio João, que não come nem bebe e dizem: ‘Tem um demónio’. Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘É um comilão e beberrão, amigo de publicanos e de pecadores” (Mt 11,18-19; cf. Lc 7,34). “Por que come vosso mestre com os publicanos e pecadores?”, diziam os fariseus aos seus discípulos (Mt 9,11).

Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas acolhe-os, e isto leva os pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são unânimes nisto. Jesus não espera que a Samaritana ponha em ordem a sua vida privada, antes de entreter-se com ela e até mesmo pedir-lhe para lhe dar de beber. Mas fazendo assim, mudou o coração daquela mulher, que se torna uma evangelizador no meio povo. O mesmo acontece com Zaqueu, com o publicano Mateus, com a pecadora anónima que lhe beija os pés na casa de Simão e com a adúltera.

Não podemos tirar uma norma absoluta a partir destes exemplos (Jesus era Jesus e lia nos corações; nós não somos Jesus!). a Igreja não pode prescindir, contudo, do seu estilo, sem nos encontrar ao lado de João Batista, ao invés do de Cristo. Jesus reprova o pecado infinitamente mais do que possam fazê-lo os mais rígidos moralistas, mas propôs no Evangelho um novo remédio: não o afastamento, mas o acolher. A mudança de vida não é a condição para nos aproximar de Jesus nos Evangelhos; contudo, deve ser o resultado (ou ao menos o propósito) depois de nos termos aproximado dele. A misericórdia de Deus, de facto, é incondicional, mas não é sem consequências!

Sobre este ponto, a Santa Mãe Igreja tem muito que aprender das mães e dos pais de família de hoje. Todos nós conhecemos os dramas que dilaceram tantos pais de hoje: filhos que, apesar do seu bom exemplo de vida cristã e dos seus bons conselhos, tomam um caminho diferente do deles, a destruirem-se a si mesmos com as drogas, abuso do sexo, escolhas precipitadas que se revelam equivocadas e frequentemente trágicas...

Será que, por isso, eles fecham-hes a porta à face e expulsaos de casa? Não podem fazer nada a não ser respeitar a sua escolha, como a respeita Deus antes deles, e continuar a amá-los. Esta situação dramática da sociedade reflete-se naquela da Igreja. Somos chamados a escolher entre o modelo de João Batista e o modelo de Jesus, entre o dar a preeminência à lei, ou dá-la à graça e à misericórdia.

Há um ponto sobre o qual não se há de escolher, porque João e Jesus estão completamente de acordo. Sobre ele também nós deveríamos levantar a voz, sem deixar que seja apenas o papa a fazê-lo. Trata-se daquele que João exprime com as palavras: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3,11) e que Jesus inculca com a parábola do rico epulão e com a descrição do juízo final em Mateus 25.

João Batista, “profeta e mais que profeta”

Passemos agora ao segundo papel, ou título, de João Batista. Ele – eu dizia – não é só um moralista e um pregador de penitência; é também e sobretudo um profeta: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo” (Lc 1,76). Jesus define-o até mesmo “mais do que um profeta” (Lc 7,26).

Em que sentido, poderíamos perguntar a nós mesmos, João Batista é um profeta? Onde está a profecia no seu caso? Os profetas anunciavam uma salvação futura. Mas João Batista não anuncia uma salvação futura; ele aponta para alguém que está presente. Em que sentido, então, pode ser chamado de profeta? Isaías, Jeremias, Ezequiel, ajudavam o povo a superar e ultrapassar a barreira do tempo; João Battista ajuda o povo a ultrapassar a barreira, ainda mais espessa, das aparências contrárias. O Messias tão aguardado, aquele anunciado pelos profetas, prometido nos Salmos, seria, portanto, aquele homem de aparência tão humilde?

É fácil crer em algo grandioso, divino, quando nos projetamos num futuro indefinido – “naqueles dias”, “nos últimos dias”... –, num quadro cósmico, com os céus que orvalham doçura e a terra que se abre para fazer brotar o Salvador. Mais difícil é quando se deve dizer: “Agora! Está aqui! É este!”. O homem é imediatamente tentado a dizer: “Isso é tudo? “De Nazaré – diziam – pode sair algo de bom?”. “Este, porém, sabemos de onde é”.

É o escândalo da humildade de Deus que se revela “sob aparências contrárias”, para confundir o orgulho e “a vontade de potência” dos homens. Acreditar que o homem que há pouco viram comer, talvez até bocejar ao despertar, é o Messias, o aguardado por todos; acreditar que chegamos ao porquê da história: isso requeria uma coragem profético maior do que a de Isaías. Trata-se de uma tarefa sobre-humana; compreende-se a grandeza do precursor e porque é definido “mais do que um profeta”.

Todos os quatro Evangelhos põem em evidência a dúplice veste de João Batista, a de moralista e a de profeta. Mas, enquanto os Sinóticos insistem mais sobre a primeira, o Quarto Evangelho insiste mais sobre a segunda. João Batista é o homem do “Ei-lo!”. “Foi dele que eu disse... Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1,15.29). Que arrepio deve ter corrido pelo corpo daqueles que, com estas palavras ou outras semelhantes, receberam primeiramente a revelação. Era como uma passagem de insígnias: passado e futuro, espera e cumprimento tocavam-se.

O que João Batista nos ensina como profeta? Creio que ele nos tenha deixado de herança a sua tarefa profética. Ao dizer: “No meio de vós está quem vós não conheceis!” (Jo 1,26), inaugurou a nova profecia cristã que não consiste em anunciar uma salvação futura, mas em revelar uma presença escondida, a presença de Cristo no mundo e na história, em rasgar os véus dos olhos das pessoas, quase gritando, com as palavras de Isaías: “Ainda não percebeis?” (Is 43,19).

Jesus disse: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos”. Ele está no meio de nós; está no mundo e o mundo, também hoje, após dois mil anos, não o reconhece. Há uma frase de Cristo que tem sempre inquietado os fiéis. “O Filho do homem, porém, encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18,8). Mas Jesus não fala aqui da sua vinda no fim do mundo. Nos chamados discursos escatológicos, frequentemente cruzam duas perspectivas: a da vinda final de Cristo e a da sua vinda como ressuscitado, glorificado e reivindicado pelo Pai, que Paulo define a sua vinda “com poder, segundo o Espírito de santidade” (Rm 1,4), em contraste com a vinda anterior “segundo a carne”. É referindo-se a esta vinda segundo o Espírito, que Jesus pode dizer: “Não passará esta geração até que tudo isto aconteça” (Mt 24,34).

Por isso, aquela frase inquietante de Jesus não interpela os nossos descendentes, aqueles que viverão no momento do seu retorno final como juiz; interpela os nossos antepassados e interpela os nossos contemporâneos, incluindo nós. Apesar da sua ressurreição e dos prodígios que acompanharam o início da Igreja, Jesus encontrou fé entre os seus? Apesar de dois mil anos da sua presença no mundo e todas as confirmações da história, ainda encontra fé sobre a terra, especialmente entre os chamados “intelectuais”?

A tarefa profética da Igreja será a mesma de João Batista, até ao fim do mundo: sacudir cada geração da sua terrível distração e cegueira que impede o reconhecer e ver a luz do mundo. É esta a tarefa perene da evangelização. No tempo de João, o escândalo derivava do corpo físico de Jesus; da sua carne tão semelhante à nossa, excepto no pecado. Também hoje é o seu corpo, a sua carne a escandalizar: o seu corpo místico, a Igreja, tão semelhante ao resto da humanidade, não excluído nem mesmo o pecado. Como João Batista fez reconhecer Cristo sob a humildade da carne aos seus contemporâneos, assim é necessário hoje fazê-lo reconhecer na pobreza e na miséria da Igreja e da nossa própria vida.

Uma evangelização nova no fervor

São João Paulo II caracterizou a nova evangelização como uma evangelização – cito – “nova no fervor, nova nos métodos e nova nas expressões”. João Batista é mestre para nós sobretudo na primeira destas três coisas, o fervor. Ele não é um grande teólogo; tem uma cristologia bastante rudimentar. Ainda não conhece os mais altos títulos de Jesus: Filho de Deus, Verbo, e nem mesmo o de Filho do homem.

Usa imagens simplicíssimas. “Não sou digno – afirma – de desatar a correia da sua sandália...”. Mas, apesar da pobreza da sua teologia, como consegue fazer ouvir a grandeza e unicidade de Cristo! O mundo e a humanidade aparecem, das suas palavras, todos contidos como dentro de uma joeira, ou uma peneira, que ele, o Messias, segura e balança nas suas mãos. Diante dele se decide quem fica e quem cai, quem é o bom grão e quem é palha que o vento dispersa. O exemplo do Precursor diz-nos que todos podem ser evangelizadores!

Comentando as palavras de São João Paulo II que recordei, alguém, a seu tempo, observou que a nova evangelização pode e deve ser, sim, nova “no fervor, no método e na expressão”, mas não nos conteúdos, que permanecem os de sempre e que derivam da revelação. Por outras palavras: que pode e deve haver uma nova evangelização, mas não um novo Evangelho.

Tudo isto é verdade. Não pode haver conteúdos total e verdadeiramente novos. Pode, contudo, haver conteúdos novos, no sentido de que, no passado, não eram enfatizados o bastante, que permaneceram na sombra, pouco valorizados. São Gregório Magno dizia: “Scriptura cum legentibus crescit” (Moralia in Job, 20,1,1), a Escritura cresce com quem a lê. E, noutro trecho, explica também o porquê. “De facto – afirma – alguém compreende [as Escrituras] tanto mais profundamente quanto mais profunda for a atenção que a elas dedica” (Hom in Ez. I,7,8). Este crescimento realiza-se primeiramente a nível pessoal no crescimento em santidade; mas realiza-se também a nível universal, à medida que a Igreja avança na história.

O que às vezes torna tão difícil aceitar o “crescimento” de que fala Gregório Magno é a pouca atenção que se dá à história do desenvolvimento da doutrina cristã das origens a hoje, ou um conhecimento muito superficial e manualístico dela. Tal história demonstra, de facto, que esse crescimento sempre houve, como demonstrou num famoso ensaio o Cardeal John Newman.

A Revelação – Escritura e Tradição juntas – cresce conforme  as instâncias e provocações qie lhe são postas no curso da história. Jesus prometeu aos apóstolos que o Paráclito os teria guiado “a toda a verdade” (Jo 16,13), mas não precisou em quanto tempo: se numa ou duas gerações, ou, ao invés – como tudo parece indicar –, por todo o tempo que a Igreja for peregrina sobre a terra.

A pregação de João Batista oferece-nos a ocasião para uma observação atual e importante justamente a propósito deste “crescimento” da palavra de Deus que o Espírito Santo opera na história. A tradição litúrgica e teológica pegou dele sobretudo o grito: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. A Liturgia repropõe-nos em cada Missa antes da comunhão, depois do povo cantar por três vezes: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”.

Na realidade, porém, esta é apenas metade da profecia do Batista sobre Cristo. Ele logo acrescenta, quase de um só fôlego, e em todos os quatro Evangelhos: “Ele vos batizará com o Espírito Santo!” (cf. Jo 1,33), e ainda: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). A salvação cristã não é, portanto, algo apenas de negativo, um “tirar o pecado”. É sobretudo algo de positivo: é um “dar”, um infundir: vida nova, vida do Espírito. É um renascimento.

A destruição do pecado parece a via e a condição para o dom do Espírito, que é o último objetivo, o dom supremo. O capítulo terceiro da Carta aos Romanos sobre a justificação do ímpio jamais deve ser desligado do capítulo oitavo sobre o dom do Espírito, com aquela mensagem libertadora que deveria ressoar mais frequentemente na nossa pregação: “Agora, portanto, já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus. Com efeito, a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, libertou-te da lei do pecado e da morte” (Rm 8,1-2).

Certo, este aspeto positivo jamais foi esquecido. Mas, talvez, nem sempre se insistiu o sigiciente sobre ele. Temos corrido o risco, na espiritualidade ocidental, de ver o cristianismo, sobretudo em chave “negativa”, como a solução do problema do pecado original; como algo, por isso, de sombrio e deprimente. Explica-se assim, ao menos em parte, a sua rejeição da parte de vastos setores da cultura, como aqueles representados por Nietzsche, na filosofia, e pelo dramaturgo norueguês Ibsen, na literatura. A maior atenção à ação do Espírito Santo e aos seus carismas que, há algum tempo, está em ato em todas as Igrejas cristãs, é um exemplo concreto da Escritura que “cresce com quem a lê”.

Os santos amam continuar, do céu, a missão que desempenharam quando vivos sobre a terra. Santa Teresa do Menino Jesus – de quem recorre este ano o 150º aniversário do nascimento – pôs isso como uma espécie de condição a Deus para ir ao céu. São João Batista ama, também ele, ser ainda o precursor de Cristo, ama preparar-lhe os caminhos. Emprestemos-lhe a nossa voz!

Contemplando, na Deesis, o ícone do Precursor com as mãos estendidas para o Cristo e o olhar suplicante, a Igreja Ortodoxa dirige-lhe esta oração, que podemos fazer nossa:

Aquela mão que tocou a cabeça do Senhor e com a qual nos indicastes o Salvador, estendei-a agora, ó Batista, para ele a nosso favor, em virtude daquela segurança de que largamente gozas, pois, segundo o seu próprio testemunho, vós fostes o maior de todos os profetas; dirigi a ele, ó Batista, os olhos que viram o Espírito Santo descido em forma de pomba, para que ele nos manifeste a sua graça.

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Traduçao de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.

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