Com a pressa de alma que levou Maria
Caríssimos
Chegamos a esta Semana Santa em condições muito especiais e exigentes,
a sair cautelosamente duma pandemia que deixará sequelas, tanto pela
saudade dos que partiram como em quem mais sofreu com o isolamento e
outros condicionalismos graves, especialmente os mais novos ou os mais
idosos e sós. Mas saímos também com a gratidão devida a quantos, no
setor público, privado ou social, tanto fizeram para responder às
necessidades que surgiram.
Foi realmente muito o que se fez e grande a
solidariedade demonstrada. Em Missa Crismal como estamos, refiro com
gratidão tudo quanto foi feito pelas comunidades cristãs e os seus
pastores, conseguindo superar com empenho e criatividade os limites do
isolamento e das restrições sanitárias. Creio mesmo que algo do que se
conseguiu permanecerá na nossa prática pastoral, para chegar a quem não
venha ou não possa vir.
A isto acresceu a guerra na Ucrânia, com tudo
o que de muito mau tem trazido à sua população, ainda residente ou já
refugiada em grande número. Também aqui não têm faltado exemplos de
grande solidariedade, acolhimento de quem chega e ajuda a quem permanece
na sua terra devastada. Continuaremos disponíveis e próximos,
colaborando com as entidades oficiais e participando em iniciativas
seguras, especialmente no âmbito da Cáritas Portuguesa e da nossa
Cáritas Diocesana, para maximizar os recursos.
Assim também para tudo
o mais que a caridade e a justiça nos requeiram. Como no que se refere à
proteção de menores no espaço eclesial, a que hoje estamos muito
especialmente atentos. Aqui estamos, com plena consciência e
compromisso, para reconhecer e corrigir erros passados, pedir perdão por
eles e prevenir convenientemente o futuro.
Como
ouvimos, a unção de Jesus manifestou-o como boa nova para os pobres,
redenção para os cativos, luz para os cegos e libertação para os
oprimidos, proclamando em tudo isto e no sentido mais alargado de cada
um desses itens o ano da graça do Senhor.
Esta unção abrange
todos os batizados em Cristo, como ouviremos daqui a pouco no Prefácio,
louvando a Deus Pai nos seguintes termos: «Pela unção do Espírito Santo
constituístes o vosso Filho Unigénito pontífice da nova e eterna
aliança, e no vosso amor infinito quisestes perpetuar na Igreja o seu
único sacerdócio. Ele revestiu do sacerdócio real todo o seu povo
santo…».
Havia no povo antigo sacerdotes para oferecerem a Deus
preces e imolações pelo povo. E houve também reis, que deviam lembrar a
todos que só Deus era o seu verdadeiro Senhor. Assim devia ter sido
sempre, como em Jesus acabou por ser finalmente.
Em Jesus Cristo,
sacerdócio e realeza unificam-se na constante entrega ao Pai e no pleno
cumprimento da sua vontade. Assim mesmo nos ensinou a rezar e a agir,
quer ensinando o Pai Nosso quer resumindo a sua doutrina no amor de Deus
e do próximo, unindo a oração filial e o amor fraterno numa coisa só.
Entretanto
e diretamente para vós, caríssimos irmãos sacerdotes, o Prefácio
continua deste modo, sempre dirigido a Deus Pai: «[O vosso Filho
Unigénito] de entre os seus irmãos, escolheu homens que, mediante a
imposição das mãos, participam do seu ministério sagrado». Detenhamo-nos
um pouco nesta frase, que refere a nossa eleição pessoal por Cristo e a
nossa ordenação sacramental para a Igreja.
Isto vos define aqui, a
vós que fostes chamados ao sacerdócio ministerial. Não foi escolha
vossa, mas de Cristo, que vos chegou pelo modo que cada um guarda na sua
memória e no seu coração. E tal sucede para que todo o Povo de Deus
faça hoje a experiência original da Igreja, quando na vida concreta do
seu Fundador aprendia a retribuir-se filialmente a Deus Pai e a viver
fraternalmente com todos.
Foi no rosto, nas palavras e nos gestos de
Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado, que conheceram este sacerdócio
novo; e é pelo rosto, palavras e gestos dos que Ele escolheu e uniu
sacramentalmente a si que tal continua a acontecer, agora e com cada um
de vós. É esse o mistério que vos garante e é esse o serviço que
prestais. É também o que o Povo de Deus espera fundamentalmente dos seus
padres.
Palavras e gestos sacerdotais de Cristo, que o Prefácio
enumera a seguir e preenchem também a vossa vida, dirigindo-se sempre a
Deus Pai: «[Os ministros sagrados] renovam em seu nome o sacrifício da
redenção humana, preparando para os vossos filhos o banquete pascal;
dirigem com amor fraterno o vosso povo santo, alimentam-no com a palavra
e fortalecem-no com os sacramentos».
Na verdade, seja qual for a
missão específica dum padre, tudo se orienta para a celebração do
banquete pascal. De Domingo a Domingo e mesmo em cada dia da semana,
tudo se encaminha para a Santa Missa, na vida do sacerdote e de todo o
povo com ele e através dele. Quando esta orientação se esvanece, tudo o
mais declina e a própria identidade se questiona.
Meditar e rezar a
Palavra, para bem a partilhar em todos os momentos sacramentais, é o
primeiro serviço que devemos aos outros. Não para lhes dizermos palavras
meramente nossas, mas para ecoarmos o que a Jesus ouvimos. Lembremos
que foi essa a prioridade dos primeiros apóstolos, assim expressa:
«Quanto a nós, entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da
palavra» (At 6, 4).
Falo da nossa experiência concreta e da nossa missão sacerdotal propriamente dita.
O que as pessoas esperam de nós é a atualização de quanto ligam ao
próprio Cristo, Palavra dita e feita, precisamente como foi e a Tradição
eclesial a guardou. A nossa teologia é a que Jesus nos transmite da
parte de Deus Pai. A nossa oração é a que que siga inteiramente o Pai
Nosso. O nosso serviço é o que Jesus fez e ilustrou em parábolas como a
do Bom Samaritano. Quando não transmitimos isso mesmo, podemos distrair
alguma vez mas acabamos por desiludir tarde ou cedo. Nós próprios o
sentimos e sofremos. É ainda o Prefácio desta Missa a apresentar-nos
assim: «Como verdadeiras testemunhas da fé e da caridade [os ministros
sagrados] comprometem-se generosamente a cumprir a sua missão, prontos,
como Cristo, a dar a vida por Vós [Pai Santo] e pelos homens seus
irmãos».
A revitalização sinodal que prosseguimos com o Papa
Francisco – continuando o que procurámos antes com o nosso Sínodo
Diocesano – relança-nos ainda mais, a nós sacerdotes, como homens da
Igreja e para a Igreja. Somo-lo num serviço próprio que não apropria,
antes reconhece e valoriza o de todos os irmãos e irmãs, na variedade
carismática e ministerial que o Espírito oferece para a missão que é de
todos. Em tempo de profunda transição social e cultural, é-nos exigida
uma atenção redobrada aos “sinais dos tempos”, que só podem ser
compreendidos e correspondidos pelo conjunto eclesial na variedade de
situações de cada um: nos diversos grupos etários, vivendo em matrimónio
ou celibato consagrado, ministros ordenados ou laicais, exercendo esta
ou aquela profissão…
Pode acontecer que diante da magnitude dos
desafios que se enfrentam, rondem tentações de desistência e mesmo fuga.
Bem pelo contrário e em Missa Crismal, move-nos, isso sim, a certeza de
que o Espírito que ungiu a Cristo nos unge agora a nós e nos levará em
frente e, quando preciso, doutro modo. Relembro a frase com que
Chesterton resumia o nosso ressurgimento cíclico, após cada época de
crise: «O cristianismo morreu e renasceu muitas vezes, porque tinha um
Deus que sabia ressuscitar» (O homem eterno, Lisboa, Aletheia, 2009, p. 341). É o mesmo Deus que nos transporta agora.
Temos
diante de nós, num horizonte cada vez mais próximo, a Jornada Mundial
da Juventude, da qual o Papa Francisco tanto espera, como momento forte
de Evangelho vivo e revitalizador para a gente nova e para todos. A
preparação prossegue e acelera-se, com grande empenho de um número
crescente e motivado de colaboradores, do espaço eclesial e além dele.
A
Jornada há de ser palavra viva, eco bem audível do que Deus nos diz em
Cristo e agora ressoa em tantos jovens que o querem transmitir a muitos
outros. De nós, ministros ordenados, esperam o apoio que só o Evangelho
escutado, proclamado e convivido pode dar. Não falharemos por eles e por
todos. Tomemos esta ocasião como estímulo para nos renovarmos também
nós, na colaboração pastoral que nos pertence.
- Nossa Senhora nos transmitirá a pressa de alma que a levou ao encontro de Isabel, nessa primeiríssima evangelização que fez!
Sé de Lisboa, 14 de abril de 2022
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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