Organismo vai abordar período de 1950 a 2022, para encontrar testemunhos e números de casos na Igreja Católica em Portugal.
A
Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as
Crianças na Igreja Católica em Portugal promoveu hoje a apresentação
pública da equipa e plano de trabalho, divulgando contactos para
recolher denúncias e testemunhas de vítimas. “Foi vítima de abusos
sexuais durante a sua infância e adolescência (até aos 18 anos),
praticados por membros da Igreja católica portuguesa ou pessoas que para
ela trabalham? Dê o seu testemunho. Faça-o com total garantia do nosso
sigilo profissional e do seu anonimato”, refere o organismo, na sua nova
página online, https://darvozaosilencio.org/. Pedro
Strecht, coordenador do organismo, disse aos jornalistas que a comissão
existe “para estar ao lado das pessoas, tem disponibilidade total para
as escutar, a seu tempo e com tempo”. “Todas contam”, assinalou.
Os testemunhos são recolhidos num inquérito online, numa linha aberta (+351 917 110 000) ou por email (geral@darvozaosilencio.org), sendo possível agendar um encontro presencial com membros da comissão, mediante marcação prévia por contacto telefónico.
A
comissão apela a todos os órgãos de comunicação social, bem como a
todas as entidades públicas e privadas incluindo a Igreja, que “adiram à
missão de ‘Dar Voz ao Silêncio’ a vítimas de abuso sexual na Igreja
Católica Portuguesa”.
Pedro Strecht
assinalou que o organismo recebeu, por parte da Conferência Episcopal
Portuguesa (CEP), total “autonomia” e confiança para “organizar e levar a
bom termo” o seu trabalho, que vai decorrer até final de 2022.
O coordenador disse ter encontrado, por parte dos responsáveis católicos, uma posição “clara e invequívoca” sobre a necessidade de investigação. O psiquiatra apontou como objetivo “esclarecer o melhor possível tudo quanto possa ter acontecido em Portugal”, no que diz respeito a esta realidade “tão necessária de apurar”, precisando “onde, como, quando e por quem” foram abusadas as vítimas. Para Pedro Strecht, está em causa a “reparação da dignidade” de cada vítima, para que o seu testemunho seja acolhido e valorizado.
A conferência de imprensa contou com intervenções dos outros membros da comissão, a começar por Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do respetivo Conselho Científico. A responsável precisou que o objetivo da comissão é identificar abusos praticados por membros da Igreja Católica ou nas suas instituições, a fim de “ter uma noção dos números” de casos que aconteceram entre 1950 e 2022, e analisar as suas características, procurando tipificar as várias situações. O organismo vai proceder a uma análise da documentação em várias bases de dados e arquivos (APAV, IAC, Procuradoria-Geral da República), além da imprensa e arquivos históricos das dioceses. Ana Nunes de Almeida sublinhou que o trabalho prioritário passa pelos “métodos de inquirição” para dar a palavra às vítimas desses abusos. “Todas as vítimas, de todas as idades, todos os testemunhos para nós contam”, sustentou.
Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e antigo Ministro da Justiça, precisou os conceitos de “abusos sexuais” – “práticas sexuais que no Direito Penal português são suscetíveis de integrar crimes de natureza sexual” – e de “crianças” (0-18 anos), com os direitos próprios destas pessoas. O especialista precisou que não vai estar em causa uma “investigação criminal”, mas um estudo, estendendo o atual critério da lei penal a todo o período de 1950 a 2022. Face às prescrições, acrescentou, há que distinguir “denúncias” e “testemunhos”, pelo que se estabeleceu uma “relação direta” com a Procuradoria-Geral da República, para encaminhar possíveis práticas criminosas, com elementos de ligação com a comissão. “Trabalhamos com total autonomia em relação à Igreja Católica”, insistiu.
Daniel Sampaio, psiquiatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, destacou a importância da comunicação, neste processo, para “captar aquilo que se passou no silêncio, durante tantos anos”, apelando à colaboração dos media. O membro da comissão alertou para o “profundo sofrimento” das vítimas, com consequências que se estendem ao longo de toda a vida. “O mais importante desta comunicação é ouvir o que não foi dito”, apontou, realçando que “é preciso dar tempo às pessoas”.
A
comissão integra ainda Filipa Tavares, assistente social e terapeuta
familiar, que trabalhou cerca de 25 anos numa IPSS, ‘Casa da
Praia/Centro Dr. João dos Santos’ com famílias disfuncionais e de risco.
“A voz de cada pessoa, de cada vítima, é única e conta”, assinalou.
Catarina
Vasconcelos, cineasta, licenciada na Faculdade de Belas Artes com
pós-graduação em Antropologia Visual no ISCTE e mestrado no Royal
College of Art, Londres, apresentou-se como “membro da sociedade civil”.
“Trago questões, dúvidas, espanto e revolta perante estes casos”,
declarou.
A equipa conta já
com mais dois colaboradores, das áreas da psicologia clínica e
comunicação social, e vão ser constituídas equipas para cada tarefa.
Ecclesia
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